Incêndio destrói casa de reza de aldeia guarani-kaiowá em MS
Indígenas afirmam que fogo teve origem criminosa; Polícia Civil investiga o caso
Lideranças indígenas de Amambai, em Mato Grosso do Sul, afirmam ter sido criminoso o incêndio que destruiu a casa de reza da aldeia Tekoha Guapo’y, da etnia guarani-kaiowá, no último sábado (2/10), na cidade a 352 km de Campo Grande.
A aldeia fica próxima (a 134 km) de outra comunidade, também da etnia kaiowá, que viveu recentemente outro episódio policial. Uma menina indígena, de 11 anos, sofreu um estupro coletivo e foi morta ao ser atirada de um penhasco.
O nome guarani-kaiowá ganhou destaque mundial quando uma carta aberta de indígenas foi interpretada como um anúncio de suicídio coletivo, em 2012, em outra aldeia no mesmo estado.
Na aldeia alvo do incêndio de sábado, o cacique Elizeu Guarani diz acreditar que o ato foi motivado por intolerância religiosa. “Vínhamos sofrendo ameaças constantes de pessoas que não respeitam nossas tradições”, disse à Folha de S.Paulo, por telefone, sem dar maiores detalhes sobre as ameaças sofridas.
Segundo ele, o incêndio ocorreu por volta das 19h30, quando dois indígenas deslocados para fazer a segurança da casa de reza foram se abrigar em uma área coberta com o início de uma forte chuva que caiu. Quando voltaram, as chamas já consumiam o local. Ninguém ficou ferido.
“Apesar da chuva, a casa era feita de capim seco. Em meia hora tudo já estava destruído. Ainda não sabemos quem possa ter colocado fogo no local. Mas estamos tristes porque é o nosso templo sagrado. Erguemos com muito sacrifício e num piscar de olhos foi tudo queimado”, disse o líder indígena, que também é coordenador-executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
A Polícia Civil de Amambai abriu inquérito para apurar as causas do incêndio, mas não haviam suspeitos ou causas do fato identificados até a conclusão desta reportagem.
Os indígenas abriram uma central de doações para reerguer a casa de reza. Cerca de mil pessoas moram na reserva, constante alvo de briga entre indígenas e produtores rurais.
É o segundo caso de incêndio criminoso de templo religioso indígena em Mato Grosso do Sul em pouco mais de um mês. Em 19 de agosto, o alvo foi a casa de reza da aldeia Rancho Jacaré, em Laguna Carapã (a 288 km de Campo Grande). O crime ocorreu enquanto a população do local, de cerca de 400 pessoas, inaugurava outra casa de reza na mesma reserva.
Entre janeiro e março de 2020, duas casas de reza foram queimadas: uma na Aldeia Jaguapiré, em Tacuru (a 427 km da capital) e outra na comunidade Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante (a 150 km de Campo Grande).
Em 9 de julho de 2019, o alvo foi a casa de reza da Aldeia Jaguapiru, em Dourados (a 214 km de Campo Grande). Entre os objetos que se perderam, está o Xiru, uma espécie de cruz sagrada para os indígenas. Dois foram retirados a tempo, mas o terceiro, com mais de 180 anos de história, foi consumido pelo fogo.
Em todos esses casos anteriores registrados, nenhum autor ou motivação do crime foi esclarecida pelas autoridades do estado.
O único incêndio criminoso em aldeias indígenas sul-mato-grossenses resolvido foi o que atingiu pelo menos três casas na aldeia Avae’te, em Dourados, em 6 de setembro.
Seguranças de uma fazenda vizinha foram identificados como os autores e o produtor rural disse que os indígenas invadiram sua propriedade e destruíram parte da sua plantação de milho. O caso está sob responsabilidade da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Por Rafael Ribeiro