Grupo garimpeiro do Pará fez ofensiva por ouro em área de Roraima próxima à TI Yanomami
Um só nome respondeu por 16 pedidos para atuar no estado, segundo Agência Nacional de Mineração
Um grupo ligado ao garimpo ilegal no Pará fez durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) uma ofensiva por ouro em Roraima. No estado, fica a Terra Indígena Yanomami, que vive grave crise de saúde, consequência da exploração irregular do solo.
Levantamento feito pela Folha no banco de dados da ANM (Agência Nacional de Mineração) mostra que Nikolas Octavio Ayoub Godoy é titular, atualmente, de 16 processos de pesquisa ou permissão de lavra garimpeira (PLG) naquele estado, todos protocolados a partir de 2020. Destes, 13 foram no ano passado. As lavras ficam a cerca de 30 km da TI Yanomami, a maioria em leitos de rio.
Antes da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Godoy já tinha protocolado sete requerimentos na agência, mas todos relativos a solo no Pará, além de um no Amazonas.
Dos pedidos referentes ao solo paraense, ele conseguiu permissão para explorar ouro em um: uma lavra de garimpo de poucos menos de 50 hectares na cidade de Itaituba, uma das regiões com maior incidência de garimpo ilegal no país. A autorização foi dada em março de 2019.
Lestra é sócio de Dirceu Frederico Sobrinho, empresário, suspeito de mineração ilegal e dono de ouro apreendido pela Polícia Federal em maio de 2022. Dirceu foi preso em setembro.
Sua empresa, a FD Gold, é apontada como uma das maiores comerciantes de ouro ilegal do país, vendido inclusive para o exterior, conforme mostrou a Folha.
Assim como a TI Yanomami, territórios no Pará, como o Munduruku, vêm sofrendo graves consequências da incidência do garimpo ilegal. Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, os munduruku também devem receber atenção especial das políticas do governo federal.
A ofensiva de Nikolas Godoy sobre o território de Roraima, até agora, deu alguns resultados. Ele é titular de uma das duas únicas lavras de garimpo autorizadas pela ANM no estado. Ambas foram permitidas durante o governo Bolsonaro e ficam próximas à TI Yanomami.
O representante legal dessa lavra é Guilherme Aggens, dono de duas consultorias de mineração sediadas no Pará. Ele é engenheiro florestal e nos últimos anos deu palestras defendendo o garimpo sustentável e atuou no lobby pela legalização da atividade em terras indígenas.
Dos 16 pedidos feitos em Roraima, Godoy teve sucesso em um requerimento de pesquisa, que autoriza só estudos sobre o solo, mas que por vezes é usado pelo garimpo ilegal para extrair minério clandestinamente.
Os requerimentos protocolados por ele em Roraima ficam nas cidades de Caracaraí, Cantá e Iracema. Os de lavra para garimpo têm, todos, por volta de 50 hectares, enquanto o de pesquisa, mais de 5.200 hectares, equivalente a 33 vezes o parque do Ibirapuera, em São Paulo.
Eles são para minério de ouro, columbita, topázio, tantalita e cassiterita, mineral que vem crescendo no garimpo e se tornando uma nova ameaça às comunidades indígenas.
A Folha não conseguiu entrar em contato com Godoy e seus sócios por telefone.
Lavras regulares próximas a regiões de exploração ilegal são comumente utilizadas para esquentar o ouro extraído de forma irregular, como mostram investigações do PF. O método consiste em registrar o minério como se tivesse saído do local permitido e depois vendê-lo.
Levantamento feito pela Folha com base no banco de dados da ANM mostra que, de quase 8.500 processos minerários para Roraima, existem duas permissões ativas para lavra garimpeira. A autorização de lavra garimpeira é a última etapa do processo e permite a exploração comercial da área.
Há quase 300 outros processos ativos de requisição de lavra garimpeira no estado sem permissão para exploração.
Além do de Godoy, a outra única PLG autorizada está no nome do bolsonarista Rodrigo Cataratas, alvo de operações da PF. Ele foi denunciado pelo MPF em Roraima sob suspeita de chefiar uma organização que explora o garimpo ilegal na terra yanomami.
O grupo liderado por ele é dono de empreendimentos que receberam recursos do governo federal, sobretudo para o transporte aéreo relacionado à saúde indígena, como a Folharevelou em setembro de 2021.
Segundo investigação da PF, a licença usada por ele foi emitida de forma ilegal e tem “inconsistências graves” em seu processo.
Procurado, ele afirmou que sua licença ambiental, emitida pelo Governo de Roraima, foi suspensa recentemente e que não chegou a iniciar a exploração do local. “Estamos aguardando a revogação da suspensão para iniciar a exploração de fato”, disse.
Por João Gabriel