Geada pode levar inflação a 7% no ano; veja os alimentos mais afetados pela onda de frio
As perdas em diferentes culturas vão elevar os preços dos alimentos
Agricultores relatam perdas com o registro de geada na manhã desta quinta-feira (29). O frio intenso decorre da massa de ar polar que chegou ao país nesta semana, derrubando temperaturas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Na avaliação de economistas, as perdas em diferentes culturas vão elevar o preço dos alimentos e afetar até o índice de inflação.
A XP calculou que as geadas desta semana podem impactar a inflação este ano em 0,1 ponto percentual. Com isso, o IPCA, índice oficial de preços, pode ultrapassar 7% em 2021. A projeção consta em nota divulgada nesta quinta-feira.
Os analistas da XP já tinham elevado as projeções para a alta dos preços de alimentação no domicílio no mês de julho devido às geadas que já tinham sido registradas em várias cidades das regiões Sul e Sudeste. Diante da nova onda de frio -e de preços mais altos que vão impactar até proteínas animais-, o cenário é de aumento mais forte.
“Em 2021, a projeção de IPCA em 6,7% tem riscos assimétricos para cima. Com geadas e reabertura da economia no radar, a inflação pode ficar acima de 7% no ano”, diz o relatório.
O texto também destaca que “as culturas mais impactadas com a queda na temperatura são o café, as hortaliças e as frutas. Com diminuição da oferta, os preços tendem a subir e esse repasse costuma ser rápido”.
O relatório diz ainda que o frio intenso agravou um cenário que já era desafiador para o agricultor, uma vez que a estiagem severa impactou fortemente preços de grãos, cana-de-açúcar, café e cítricos. Além disso, as proteínas animais também têm os preços altos.
No estado de São Paulo, há relatos de danos causados pela geada nesta quinta na região de Pardinho. A cidade fica a cerca de 200 quilômetros da capital paulista.
Luciane Correia, coordenadora dos cursos do Senar do Sindicato Rural de Pardinho, afirma que hortaliças, frutas, café e pastagem estão entre as plantações prejudicadas pelo frio rigoroso. Municípios vizinhos, como Botucatu, também registraram danos a lavouras, segundo ela.
A situação preocupa porque a região já teve outra geada neste mês. Ou seja, a nova onda de frio veio para agravar o quadro.
Segundo Luciane, o tamanho dos prejuízos ainda não pode ser dimensionado, porque é necessário tempo para ver como as plantas vão reagir nos próximos dias.
O certo é que a situação vai pressionar o bolso dos produtores. O cenário tende a gerar preços mais altos para os consumidores finais, diz a coordenadora.
“Nossa região foi bastante afetada. O pessoal estava mandando fotos de termômetro caseiro marcando -0,9ºC hoje pela manhã. A geada queimou pastagens, hortaliças. Frutas e café também foram prejudicados”, afirma.
“Com menos produtos no supermercado, a tendência é de aumento nos preços. Afeta o setor como um todo”, acrescenta.
Um dos produtores afetados pela situação é Otávio de Pontes Ribeiro Junior, 40. O morador de Pardinho teve uma área de pastagem de três hectares completamente prejudicada pelas geadas neste mês.
A plantação é usada para produzir alimento para cerca de 30 vacas e bezerros. Ribeiro Júnior vende leite para a indústria.
“O que a geada não pegou na semana passada, a de hoje [quinta] acabou de dizimar. Quando a gente levantou para fazer a ordenha, às 6h, estava bem frio. Assim que passar o frio, voltar a chover e a temperatura subir, a pastagem rebrota. Mas isso vai demorar uns três meses. A geada não mata a raiz, mas queima as folhas na pastagem”, conta o produtor rural.
Devido aos estragos, ele terá de alimentar o gado com silagem, ração e suplementos. Essa combinação aumenta custos de produção e não é capaz de evitar perda de produtividade, diz Ribeiro Júnior.
Em Botucatu, o produtor Christof Inacio Blaich, 38, também lamenta as perdas com a geada. Ele planta hortaliças, frutas e milho em uma área de 15 hectares. Segundo o produtor, quase todas as culturas tiveram algum tipo de dano devido ao frio intenso.
“As mais prejudicadas foram abobrinha, banana. Outras também foram queimadas pela geada”, conta.
A preocupação, diz Blaich, segue no radar. É que a previsão indica mais uma madrugada gélida, com possibilidade de frio ainda mais intenso na região.
“Já dá para ver o impacto que a geada causou hoje [quinta]. Estou preocupado com a que pode vir amanhã [sexta]”, ressalta.
A geada pode provocar prejuízos em plantações diversas. O tamanho de eventuais perdas depende da intensidade do fenômeno e do estágio em que se encontram as lavouras.
Em linhas gerais, a geada é caracterizada pela formação de camadas finas de gelo sobre superfícies, incluindo plantas. Para sua formação, é necessária uma combinação de fatores.
Essa combinação inclui temperatura baixa (perto de 0ºC), céu aberto e ventos calmos, segundo os meteorologistas Wallace Figueiredo Menezes, professor do Departamento de Meteorologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Naiane Araujo, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
Com as ameaças do clima à produção de alimentos e o aumento da energia elétrica, há risco de o país fechar o ano de 2021 com inflação acima de 7% no acumulado, diz o economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
“É um risco que não é tão pequeno. É grande”, afirma o pesquisador.
O aumento da conta de luz está relacionado à crise hídrica, que eleva os custos de geração de energia no país.
O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, também revisou nesta semana a projeção para o IPCA em 2021.
A alta prevista passou de 6,5% para 6,9%. Ao fazer a revisão, Perfeito levou em conta questões como a crise hídrica e os efeitos adversos no campo.
Texto: Leonardo Vieceli