Funcionário dos Correios denuncia assédio moral; superiores debocham de vítima, invadem celular e tentam jogar aparelho fora
Na última sexta-feira (28), a vítima, Rogério de Queiroz Trabuco Carneiro, registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF)
Áudios e vídeos, entregues ao portal Mais Brasília (MB), revelam assédio moral sofrido por um funcionário pelos seus superiores dentro das dependências dos Correios, em 2023. O caso aconteceu na sala da chefe de gabinete da estatal, Karina Leita Ribeiro Nassarala.
Em uma das gravações, os superiores riem e debocham do funcionário. Eles ainda tentam jogar fora um dos celulares do funcionário. Mas como estavam no último andar do edifício-sede [dos Correios] do prédio, optam por invadir o aparelho, na tentativa de apagar possíveis provas do assédio.
Na última sexta-feira (28), a vítima, Rogério de Queiroz Trabuco Carneiro, registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Na polícia, o caso segue em apuração.
De acordo com o documento policial, a reunião em que o servidor público alega ter sido assediado ocorreu no dia 25/08/2023, às 16h56, com duração de 46 minutos e 59 segundos, na sala da chefe de gabinete.
“Durante as gargalhadas, eles comentaram que a chefe de gabinete estava “dando vários fights, lapadas e batendo como pai e mãe numa criança que ninguém queria largar de bater, disputando quem batia mais” e que “foi massa demais”, acrescentando que o(a) comunicante deveria estar lá para presenciar.”, diz o boletim de ocorrência, registrado pela vítima, na última sexta-feira (28).
Ainda de acordo com o registro policial, “o gestor de Trabuco, Francisco Kleicio Gonçalves do Nascimento, sem a autorização dele, gravou toda a reunião. Após o término da reunião, a vítima diz ter estranhado a presença de outro funcionário, Bruce Araújo, que é Analista VII, e que permaneceu no local até mais tarde.”
“Ele [Bruce, que é Analista VII] tinha um objetivo claro, junto ao meu gestor, Francisco Kleicio, naquele dia, ali na sala de relações institucionais, onde vários parlamentares eram recebidos para apresentação de demandas: ambos estavam ouvindo a gravação e rindo. O que eles não sabiam era que eu, saturado de tanto assédio, deixei um de meus celulares gravando o que estavam falando ao meu respeito. Fiz isto para me defender”, relata e justifica o servidor.
Após 26 minutos e 13 segundos de gargalhadas, eles perceberam que estavam sendo gravados. Meu gestor, Francisco Kleicio do Nascimento, entrou em pânico, questionou “O que é isso?” e o Bruce respondeu “Tá gravando”.
Francisco Kleicio, novamente, perguntou, apavorado, “Que?” e Bruce confirmou “Tá gravando”.
Então, o Francisco Kleicio perguntou “E agora?”, ao passo que Bruce respondeu “Joga essa porra pela janela” [referindo-se ao aparelho celular de Trabuco.]
“No entanto, por estarem no último andar do edifício-sede dos Correios e por haver monitoramento por câmeras, optaram por invadir o celular, resultando na exclusão de provas e documentos. Os envolvidos conseguiram apagar apenas parte dos absurdos gravados, mas ainda restam evidências das ações.”, diz trecho de boletim de ocorrência.
Conhecido entre os colegas de profissão apenas por Trabuco, o servidor público é carteiro, tem 30 anos de Casa e atualmente está lotado em Brasília, segundo ele, à espera de um posicionamento da empresa, que o teria transferido de São Paulo para a capital federal, com a promessa de um determinado cargo, que não se cumpriu. De lá para cá, ele segue sem saber qual será seu destino.
Acerca do assédio moral sofrido, Trabuco adiantou ao MB que, à época do acontecido ele procurou, tanto a chefe de gabinete, Karina Leita Ribeiro Nassarala, quanto o presidente dos Correios, Fabiano da Silva Santos, e não teve auxílio e/ou respaldo por parte de nenhum deles.
“Eu perguntei a Karina quem autorizou o gestor me gravar, se foi ela, se foi o Júlio Vicente, hierarquicamente superior ao Francisco Kleicio e a mim, ou se foi o próprio presidente Fabiano; e no dia 13 de novembro do ano passado, 2023, eu mandei esse mesmo vídeo, mandei um texto, mandei um áudio para o presidente Fabiano, pedindo para ele tomar providências, ele não tomou, ele me bloqueou no WhatsApp, e só veio me chamar agora, no meio deste ano de 2024, aí eu gravei ele de novo, cobrando dele, o porquê de ele não ter tomado providências. E o que ele fez? Ele disse: Mas você não fez a denúncia. Eu respondi: Eu denunciei diretamente para você. Então, se eu denunciei para o cara que manda na Ouvidoria, o cara de manda na Auditoria, o cara que manda em tudo, e ele não fez nada, como é que eu vou denunciar para os subordinados dele, que estão me assediando, me perseguindo ali nas barbas dele. Então, todos os meios de denúncias em instâncias mais elevadas, eu fiz”, explicou Trabuco.
DEPUTADOS FEDERAIS DO PT
A vítima conta ainda que, antes de procurar à imprensa, ele procurou todos os meios possíveis de diálogo para solucionar a questão. Entre os procurados, dezenas de parlamentares do PT (Partido dos Trabalhadores), do qual o servidor é filiado há décadas.
Aos parlamentares, Trabuco enviou, no dia 13 de setembro de 2024, um vídeo seguido de mensagem via aplicativo, narrando o episódio. Na publicação, ele relatava que encaminhou uma carta aos endereços eletrônicos de todos os parlamentares da Câmara dos Deputados Federais, na Alesp e ao Gabinete da Presidência.
“Eu formalizei essa denúncia no gabinete do presidente da República e também para ministros, para o ministro da Justiça, para o Ministério dos Direitos Humanos”.
“Esse vídeo foi entregue na íntegra, num pendrive, à chefe de gabinete da presidência [Karina Leita Ribeiro Nassarala], em setembro de 2023, sem providências.”, diz trecho da mensagem.
Sobre também ter gravado a reunião, Trabuco ainda disse ao MB, que precisou gravar o episódio para ter provas contra os assédios que vinha sofrendo.
OUTROS EPISÓDIOS DE ASSÉDIO MORAL
Para ilustrar os episódios antigos de assédio sofridos por ele, o servidor disponibilizou ao portal Mais Brasília (MB) uma sentença de fevereiro de 2021, da 40ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que a Justiça condenou aos Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) a pagarem indenização a Rogério de Queiroz Trabuco Carneiro, após um episódio de assédio moral.
Num dos trechos da sentença, uma das testemunhas afirma que “presenciou o autor [Trabuco] sofrendo perseguição no ambiente de trabalho, afirmou que o mesmo era monitorado de forma excessiva pela gerência, na pessoa de Ângela Rosa, como, por exemplo, questionando onde a pessoa estava toda vez que ia ao banheiro ou ia tomar um cafezinho; que também presenciou o autor ser vítima de deboche e menosprezo por parte de um colega de trabalho, e também pela gerente Ângela, sem que a mesma tomasse qualquer providência, e inclusive, ria; (…)”.
Ainda de acordo com a sentença, uma segunda testemunha disse ter visto um colega de trabalho “utilizando a autoridade de eventual para constranger Rogério, como por exemplo, chamar à atenção sem motivo; que nas reuniões o autor era o único proibido de falar e as opiniões dele não eram ouvidas; que Ângela também tinha este comportamento com o autor, sendo que o depoente o classifica até como pior; que participou de várias reuniões em que presenciou atrito entre ambos, sendo que era mais em razão da postura
de outro funcionário; que Ângela já presenciou perseguição por parte deste funcionário citado dando sempre razão ao mesmo; (…)”.
À época deste episódio em questão, em 2021, Ângela Rosa integrava o Departamento de Recursos Humanos dos Correios. Segundo a vítima, a então gestora cuidava de casos de assédio na estatal.
SINDICATO, FEDERAÇÃO, CANAIS OFICIAIS DOS CORREIOS
Sobre o caso de assédio registrado na PCDF na última sexta (28), Trabuco afirma ainda ter procurado o sindicato no qual é afiliado, no Distrito Federal, e também a federação que representa este sindicato – a FENDECT.
Nesta segunda (30), o Mais Brasília (MB) procurou a assessoria de imprensa dos Correios, mas não obteve resposta. O portal também procurou a chefe de gabinete, mas igualmente não obteve resposta. O MB ainda procurou o presidente da FENDECT, Emerson Marinho, para saber se a federação e/ou o sindicato em que Trabuco está filiado e é representado pela federação em questão tem conhecimento do caso e se há providências a serem tomadas.
Ao MB, Marinho disse o seguinte: “Nunca chegou nenhuma denúncia nos canais oficiais da FENTECT. Acho que isso ocorreu a mais ou menos um ano, e lembro dele [Trabuco] comentando comigo, mas sem dar ênfase que faria qualquer denúncia à FENDECT. Todas que chegaram até a FENDECT, solicitamos encaminhamentos sobre os casos”.
Trabuco, no entanto, argumenta: “Como eu vou fazer uma denúncia nos Correios, nos canais oficiais, no Fale Conosco dos Correios, nos órgãos que fiscalizam o combate ao assédio moral e sexual, quando na verdade, os gestores fazem assédio e são promovidos, como ocorreu comigo, em 2021, em que a minha gestora, Ângela Rosa, fez assédio comigo e foi promovida”.
E continua: “A Vilma Reis é um canal oficial, chegou para ela um vídeo e chegou para ela um texto. Os parlamentares, o Ministério da Justiça, são canais oficiais. Mesmo que a vítima não queira fazer a denúncia, se alguém sabe da denúncia, esse alguém pode denunciar pela vítima.”
E acrescenta: “Todo o aparato da empresa está nas mãos do presidente da empresa [Fabiano da Silva Santos]. A Corregedoria foi dissolvida e está nas mãos do presidente; a auditoria, a ouvidoria, todos os canais da empresa estão nas mãos do presidente. Porque as chefias desses órgãos são indicações. E os empregados hoje são a parte fraca perante a máquina”.
Questionado sobre não ter denunciado o caso à imprensa antes, Trabuco diz que uma denúncia de assédio moral envolvendo a alta cúpula dos Correios, que têm conhecimento, que pratica e que não toma providências para solucionar o problema, “iria prejudicar o governo Lula”.
“Começaram a sondar se eu iria levar esta denúncia avante, porque isto prejudicaria diretamente a imagem do governo e da gestão. Depois, dia 24/4/2024, a secretária de Fabiano me procurou dizendo que Fabiano queria conversar comigo. Eu fui ao encontro dele. Nossa reunião começou às 17h14 deste dia e durou 46 min30s. Houve uma tentativa de me calar. Como não conseguiram, dia 16/8/2024, a Diretora Econômica e Financeira Maria do Carmo Lara Perpétuo informou-me que o presidente Fabiano da Silva Santos mandou retirar minha função. Maria do Carmo ainda deixou claro que ela própria não entendia o porquê, que por ela, minha função não seria retirada, que não trata-se de questões técnicas e sim de motivos pessoais.”
Em 2023, a Controladoria Geral da União (CGU) lançou um Guia com orientações para prevenção e tratamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no Governo Federal. Na página 9 do documento, há um item que trata do assédio moral organizacional, questão sensível que pode estar ocorrendo na estatal, segundo funcionários ouvidos pelo MB.
“O assédio moral organizacional, coletivo ou institucional, ocorre quando a organização incentiva e/ou tolera o assédio. Nesse caso, o propósito é atingir o(a) trabalhador(a) por meio de estratégias organizacionais de constrangimento, explícitas ou sutis, com o objetivo de melhorar a produtividade, reforçar o controle ou demonstrar poder. Ele se caracteriza pelo processo contínuo de hostilidades, estruturado por meio da política organizacional ou gerencial, que tem como objetivo imediato aumentar a produtividade, diminuir custos, reforçar o controle ou excluir trabalhadores que a organização não deseja manter em seu quadro. Pode ser direcionado a todo o grupo ou a integrantes de determinado perfil (gestantes, por exemplo).”, explicita o Guia.
Todo cidadão tem o direito de denunciar as irregularidades que toma conhecimento, já o servidor público tem o dever de denunciar essas práticas, visando principalmente a moralidade e a eficiência da Administração Pública.
A Autoridade Administrativa, ao tomar conhecimento deste irregularidade, deve imediatamente apurar os fatos narrados, bem como fiscalizar as ações dos subordinados nessa apuração, dando vazão ao devido processo legal e o empenho em investigar, principalmente quanto a legalidade dos atos procedimentais. Além de apurar, deve a Administração emitir resposta quanto as solicitações ou reclamações na esfera de sua competência, principalmente demonstrando a forma com que essa administração age quando provocada em apurar irregularidades, em homenagem ao princípio da publicidade.
Autoridades públicas que tomam conhecimento de casos de assédio e não os denuncia e/ou se posicionando, tomando as devidas providências, podem incorrer sim em prevaricação.
O Código Penal, em seu artigo 319, prevê o crime de prevaricação, que tem como objetivo punir funcionários públicos que dificultem, deixem de praticar ou atrasem, indevidamente, atos que são obrigações de seus cargos, os pratica contra a lei, ou apenas para atender interesses pessoais, e determina pena de detenção de três meses a um ano e multa.
PREVARICAÇÃO:
Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007).
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
CURSO DE ASSÉDIO MINISTRADO PELOS CORREIOS
Ainda nesta segunda (30), os Correios prorrogaram, por mais alguns dias, um curso sobre assédio moral que está sendo realizado pela empresa, neste mês de setembro, para os gestores da estatal, obrigatoriamente convocados a se inscreverem nas atividades.
Durante a produção desta reportagem, o Mais Brasília (MB) questionou a assessoria de imprensa da estatal, mas não obteve respostas. O portal encontra-se à disposição para ouvir oficialmente os Correios e/ou quaisquer envolvidos no caso.