Domésticas são resgatadas em condições análogas à escravidão
Os nomes dos empregadores não foram divulgados pelas autoridades
Duas mulheres foram resgatadas nesta quinta-feira (3) em condições enquadradas como análogas à escravidão, elevando para quatro o total de resgates no país envolvendo empregadas domésticas em 2022.
As histórias foram registradas no Rio Grande do Sul e na Paraíba. Uma semana antes, outras duas foram registradas em Natal e Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Em Campina Grande (PB), além de cuidar da casa e dos patrões idosos em jornadas de trabalho apontadas como exaustivas, a vítima, de 57 anos, era responsável por aproximadamente cem cães adotados pela família, distribuídos entre um canil e os cômodos da residência impregnados com cheiro de vômito, fezes e urina, de acordo com as autoridades que investigam o caso.
“A situação encontrada na casa era de total indignidade, não só pelas condições degradantes de trabalho e alojamento, mas, principalmente, por toda a prisão psicológica que fez com que a trabalhadora permanecesse naquele local”, afirma a auditora-fiscal do Trabalho Lidiane Barros, que coordenou a ação na Paraíba.
A mulher, de acordo com a investigação, chegou a ter o colchão onde dormia destinado a cadelas em trabalho de parto, precisou dividir um colchão de solteiro com a empregadora e, como alternativa, transformou uma mesa na cozinha em cama.
“Havia a confusão da subordinação decorrente da relação empregatícia com a subordinação paternal e fraternal. Os empregadores se apresentavam como pai e irmã, mas demandavam os serviços da empregada com gritos, ordens e demonstrando o seu lugar de subordinação”, diz a auditora.
A mulher também teria recebido promessas repetidas de que seria adotada, o que nunca aconteceu. “A todo momento, reforçavam a ideia de que era da família. Mas, ao invés de ter garantida sua possibilidade de estudar, ter uma vida profissional similar a dos filhos do empregador, ela permanecia na nulidade e subserviência de um trabalho doméstico indigno”, afirma.
Os nomes dos empregadores envolvidos não foram divulgados pelas autoridades.
A vítima tinha 18 anos quando saiu de Cuité, também na Paraíba, indicada por conhecidos, para trabalhar como empregada da família em Campina Grande, a a 113 km de distância.
“São 40 anos dentro de uma residência, vivendo dia e noite a estrutura daquela família, servindo aquelas pessoas, inserida naquele contexto familiar para servir, sem oportunidades de ter uma vida social plena e construir seus próprios caminhos”, diz a coordenadora da operação, sobre a dependência emocional identificada na história.
A Defensoria vai propor um acordo ao empregador para pagamento de verbas rescisórias e dano moral individual “para reparar toda a exploração de trabalho e danos à saúde física e mental da empregada”, segundo nota oficial. Se não houver acordo, segundo a Defensoria, medidas judiciais serão tomadas.
O outro resgate aconteceu em Campo Bom (RS). A vítima, uma mulher de 55 anos com deficiência intelectual, foi resgatada após 40 anos trabalhando sem salário e sob xingamentos, agressões físicas e ameaças, dentro de casa e na frente dos vizinhos, de acordo com a investigação.
Segundo as autoridades que participaram da operação, a mulher era impedida de sair sozinha e de conversar com pessoas de fora. Também teve os documentos retidos pela empregadora e não frequentou a escola.
Os nomes dos empregadores também não foram divulgados.
Nos dois casos, as trabalhadoras foram levadas para casa de familiares, estão recebendo apoio psicológico e as ações que estão em curso pedirão salários atrasados e verbas rescisórias, por exemplo.
O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Previdência, Maurício Krepsky, diz que “da mesma forma que no trabalho rural ou urbano, o emprego doméstico enquadrado como análogo à escravidão é definido por trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho ou servidão por dívida”.
No Rio Grande do Norte, um caso revelado esta semana envolve uma mulher que teria sido aliciada ainda na 4ª série, aos 12 anos, pela professora. A história se passou em Mossoró, onde ela acabou vivendo 32 anos em condições apontadas como análogas à escravidão e vítima de possíveis abusos sexuais.
A suspeita de violência pesa contra o marido da professora, o pastor da Assembleia de Deus, Geraldo Braga da Cunha. Procurado pela reportagem, o escritório de advocacia que representa a ele e à família negou as acusações.
Por Renata Moura