Diferença de renda entre branco e negro cai mais no setor público

Na iniciativa privada, no entanto, a queda foi praticamente nula no mesmo período

DOUGLAS GAVRAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Formada na rede pública, Maria Malcher, 39, agora dá aulas em uma escola diferente daquela que frequentou. “Embora ainda esteja longe de refletir o percentual de negros na população, a representatividade aumentou entre os professores e há uma demanda cada vez mais forte por temas de reparação por parte dos alunos. É uma mudança que a gente vê acontecendo.”

A desigualdade de salários e oportunidades entre trabalhadores negros e brancos no país é persistente, mas tem se comportado de forma diferente a depender do tipo de vínculo profissional. De 2012 a 2020, a diferença real (já considerada a inflação) entre a massa de salários dos servidores públicos negros e brancos caiu 14 pontos percentuais, de 42% em favor dos brancos para 28%.

Os dados são da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE, compilados pela consultoria IDados. Eles apontam que a distância entre todos os salários somados de servidores estatutários negros e brancos era de R$ 8 bilhões há oito anos. No fim do ano passado, essa diferença caiu para R$ 6,2 bilhões.

Na iniciativa privada, no entanto, a queda foi praticamente nula no mesmo período: a distância dos salários dos trabalhadores brancos para os negros era de R$ 19,1 bilhões no quarto trimestre de 2012 -os profissionais negros que tinham carteira assinada ganhavam 34% menos. Agora, ela é de R$ 16,1 bilhões, ou 31%.

Na avaliação de Bruno Ottoni, pesquisador da IDados, uma das pistas para entender esse movimento de melhora das condições salariais de servidores estatutários negros é o avanço nos últimos anos na facilitação do acesso à universidade pública de brasileiros mais pobres e negros via cotas. Esse impacto vai se revelando no mercado de trabalho aos poucos, diz.

Levantamento do IBGE mostrou que o número de matrículas de alunos negros e pardos no ensino superior público ultrapassou o de brancos pela primeira vez em 2018 e representou 50,3% dos estudantes. “Esse movimento afeta tanto o setor privado quanto o público e contribui para a diminuição de desigualdades, já que o salário do funcionário de maior escolaridade é mais elevado”, diz o economista.

Ainda que os dois grupos de trabalhadores sejam beneficiados, no entanto, o setor público contou com incentivos próprios, como a lei 12.990/2014, que reserva para negros e pardos 20% de vagas em concursos para cargos da administração federal. “Nesse sentido, um fenômeno que ajudou no setor público mais do que no setor privado é que não apenas eles se qualificaram mais como ainda tiveram a questão das cotas específicas dessa população no setor público, em alguns casos”, complementa Ottoni.

Malcher, que é professora de geografia do IFPA (Instituto Federal de Educação do Pará) e trabalha na educação federal há mais de cinco anos, pondera que, apesar dos avanços, o racismo estrutural ainda se revela no baixo número de professores com pós-graduação e na falta de promoções, em que as mulheres negras ainda são preteridas para cargos que fazem com que seus salários aumentem.

Embora essas iniciativas sejam um marco, o efeito ainda está longe do ideal, concorda o historiador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Cleber Santos Vieira. “Para cargos de professor universitário, por exemplo, são raros os concursos com mais de uma vaga, e, desde a crise de 2015 e 2016, o número de concursos públicos entrou em queda livre.”

Quando comparados os salários habituais, entre os servidores, a renda do grupo que se declarou como negro foi a que apresentou maior crescimento no período, de 26,5%. Já os rendimentos dos brancos aumentaram 14,5%, segundo a Pnad Contínua.

Ainda assim, o maior acesso de trabalhadores negros ao serviço público não garante necessariamente o avanço nas carreiras. Pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre o perfil dos servidores do Executivo federal ajuda a entender esse abismo persistente.

Os vínculos de trabalho no setor público federal são 10,4% do emprego público formal no país. O percentual de pretos e pardos aumentou de 30,8%, em 1999, para 35,1%, em 2020. O percentual de servidores brancos também aumentou, de 48,2% para 56,6%. Os indígenas correspondem a apenas 0,3%, segundo o Ipea.

Os dados, no entanto, mostram que, quanto mais alto é o nível hierárquico, menor é a representatividade. Homens negros ocupam apenas 13% dos cargos em comissão mais altos, enquanto homens brancos são 65%. No caso das mulheres negras, elas são 1,3%, ante 15,4% das mulheres brancas, diz o estudo, dos pesquisadores Tatiana Dias Silva e Felix Garcia Lopez.

“O racismo estrutural está nas ocupações e nas hierarquias de postos de trabalho, em que a divisão pela cor é muito presente ainda”, diz Vieira, que também é presidente da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as). “Esse conjunto de desigualdades vem sendo combatido com ações afirmativas, mas é preciso sempre renovar as políticas públicas.”

Em 2019, os negros eram 55,4% da força de trabalho (pessoas ocupadas e em busca de trabalho) e 54,2% dos ocupados. No entanto, a população negra estava sub-representada no setor público, correspondendo a 51,4% dos ocupados e 49,6% dos funcionários públicos e militares. Ottoni ressalta que, apesar dos avanços na queda da desigualdade de massa salarial entre negros e brancos, esse não é um movimento sem volta e as políticas acertadas que incentivaram esse cenário precisam ser mantidas para reduzir as diferenças que ainda persistem.

“Do lado da iniciativa privada, são bem-vindas iniciativas recentes, como a de valorização de profissionais negros e mulheres, programas de trainees voltados para esses jovens e a adoção de medidas para aumentar o número desses profissionais nos quadros de grandes empresas.”

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