Defensoria pede ao STF que ordene mudança no edital das câmeras corporais da PM de SP
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirma que o acionamento das câmeras será obrigatório
A Defensoria Pública de São Paulo pediu nesta segunda-feira (27) ao presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luís Roberto Barroso, que determine mudanças no edital de compra de novas câmeras corporais para a Polícia Militar paulista.
A coordenadora do núcleo especializado em Direitos Humanos e Cidadania do órgão, defensora Fernanda Balera, pede que Barroso determine que o edital seja retificado, e exija que as câmeras tenham gravação ininterrupta durante os turnos policiais, que sejam destinadas aos batalhões que mais matam na corporação, e que as imagens sejam armazenadas por mais tempo.
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirma que o acionamento das câmeras será obrigatório, que isso poderá ser feito de forma remota pelo centro de operações da PM, que haverá aumento da qualidade das gravações e que os novos contratos devem gerar economia financeira aos cofres estaduais. A gestão estadual diz que o armazenamento de imagens que não têm interesse policial gera altos custos e compromete a privacidade de policiais.
O pedido da Defensoria, subscrito também pela ONG Conectas Direitos Humanos e Justa, foi enviado em meio a uma ação judicial no STF que trata da obrigatoriedade do uso dos aparelhos em operações policiais. As entidades apontam problemas nas regras do edital, que visa a compra de 12 mil novas câmeras corporais, substituindo os equipamentos atuais da PM.
Elas afirmam que o novo modelo pode trazer prejuízos para futuras investigações, ao deixar sob responsabilidade dos policiais na rua a ligação do equipamento. Hoje, a gravação sem áudio e com baixa qualidade de imagem é ininterrupta, e o policial deve acioná-la com um botão para gravar com maior qualidade todas as ocorrências.
As entidades lembram que as imagens em baixa qualidade já serviram de prova em duas denúncias contra policiais que atuaram na Operação Escudo, que deixou 28 mortos na Baixada Santista no ano passado. Nos dois casos, o Ministério Público afirma que as imagens indicam que eles forjaram provas nas cenas de crime, colocando armas de fogo onde não havia.
Eles também citam um caso em que as imagens “de rotina”, sem acionamento pelo policial, foram essenciais para determinar que policiais teriam atuado de forma legítima em uma ocorrência que terminou com a morte de um suspeito. “Verifica-se, portanto, que tanto sob a ótica dos policiais, quanto da sociedade em geral, a gravação ininterrupta qualifica as provas para a persecução penal”, diz o documento.
Com base em uma nota técnica assinada por entidades da sociedade civil, a Defensoria afirma que o fato de os policiais não terem autonomia para gravar ou não as ocorrências teve impacto no número de mortes. “É justamente a partir dessa mudança que se começa a observar a queda nos índices de letalidade”, afirma.
O documento lança dúvidas sobre a afirmação de que, caso os policiais não acionem as câmeras, isso poderá ser feito de forma eficiente pelo Copom (Centro de Operações da PM). “O ponto é que, em termos operacionais, isso é irreal. Não há como o Centro de Operações da Polícia Militar – Copom supervisionar a utilização de 12 mil câmeras em uso simultâneo por policiais de todo o Estado, inclusive porque esta não é a função deste órgão”, diz a Defensoria.
A petição afirma que o próprio governo estadual descumpriu promessas feitas ao STF no âmbito do mesmo processo judicial. “Ao apresentar suas informações nesses autos, o Governo do Estado de São Paulo afirmou que o tempo de armazenamento do novo contrato seria de 120 dias. Contudo, o novo edital reduz o prazo de armazenamento para 30 dias!”, diz o documento.
As entidades pedem que sejam mantidos os prazos de armazenamento de imagens previstos nos contratos atuais, de 60 dias para gravações de rotina, e de um ano para gravações intencionais.
Pedem, ainda, que os Baep (Batalhões de Ações Especiais de Polícia) recebam as 1.875 câmeras adicionais previstas no edital. Esses batalhões, que recebem treinamento para combater o crime organizado, têm índices de letalidade maiores do que o restante da tropa, afirmam as entidades.
Com base em documentos apresentados pelo governo Tarcísio, a Defensoria afirma que sete dos 15 Baep do estado ainda não usam câmera corporal. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a gestão Tarcísio destinou parte dos equipamento ao policiamento de trânsito.
Além disso, as entidades veem problemas nos pré-requisitos técnicos exigidos dos concorrentes da licitação. Para participar, as empresas interessadas devem comprovar que têm capacidade de fornecer 500 “câmeras de video”.
O documento lembra que na última licitação para compra de câmeras corporais, em 2021, o governo exigiu que os fornecedores comprovassem que já haviam fornecido ao menos metade do número de câmeras da licitação. A exigência do novo edital corresponde a 4% das 12 mil câmeras que o estado quer comprar.
“Ao reduzir as exigências para habilitação técnica, o Estado está abrindo margem para que empresas ou consórcios recém-criados e com menos experiência ofereçam propostas técnicas com preços mais competitivos, mas que, depois, não se confirmarão viáveis tanto em termos operacionais quanto em termos de equilíbrio econômicos e financeiro”, afirmam.
EDITAL É ‘AVANÇO IMPORTANTE’, DIZ GOVERNO DE SP
O governo de São Paulo afirmou, sobre as críticas às regras para compra das câmeras, que o edital “representa um avanço importante no uso das câmeras, que serão utilizadas pela tropa no enfrentamento ao crime em diferentes regiões do estado”.
A gestão Tarcísio lembrou da exigência de que os equipamentos contem com novas funcionalidades, “como reconhecimento facial, leitura de placas de veículos, melhoria na conectividade, entre outras inovações”. Afirmou, ainda, que as novas câmeras devem contar com um sistema capaz de armazenar imagens dos 90 segundos anteriores à ativação.
O governo ressaltou que o acionamento das câmeras é obrigatório, e disse que “qualquer desvio dessas normas resultará em penalidades ao policial”.
O governo diz que o modelo atual acarreta em “altos custos para o armazenamento e manutenção do material de rotina, ou seja, aquele que não contempla nenhuma ocorrência, a maior incidência de problemas de autonomia de bateria das câmeras, além de comprometer severamente a privacidade de homens e mulheres, que têm situações privadas expostas quando estão à serviço.”
“O novo contrato, além de ampliar em 18% o número de câmeras, deve gerar uma economia entre 30% a 50% para o tesouro estadual em relação ao anterior”, acrescenta.
Por Paulo Eduardo Dias e Tulio Kruse