Decisão do STF contra marco temporal não impedirá sua aprovação no Congresso, diz relator do projeto
Marco temporal será julgado pelo Supremo nesta quarta (1°)
O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (1º) o julgamento que discute a demarcação de terras indígenas. Um dos aspectos em discussão é a tese do marco temporal, que tem sua constitucionalidade questionada.
Há, na Câmara, um projeto de lei em tramitação que busca instituir o marco temporal.
Para o deputado federal Arthur Maia (DEM-BA), que foi relator da proposta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), uma decisão do Supremo, mesmo que contrária ao marco temporal, “não impedirá em nenhum momento que o Congresso aprove a qualquer momento o PL 490”.
“O Supremo julga, nós fazemos a lei. Então se o Supremo decidir que não tem marco temporal e, na semana seguinte, nós votarmos a lei dizendo que tem marco temporal, prevalece aquilo que nós estamos estabelecendo. O Supremo não é legislador, o legislador somos nós”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o agronegócio pressiona para que o tribunal determine que os indígenas só possam ter direito sobre terras que já estavam ocupadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
PERGUNTA – O Brasil é signatário da Convenção Organização Internacional do Trabalho, que prevê a consulta prévia a povos indígenas em caso de medidas legislativas que podem afetá-los. O PL 490 traz várias mudanças nas regras para terras indígenas. Por que os povos indígenas não foram consultados?
ARTHUR MAIA – Quando se faz um acordo internacional, quem faz é o Executivo, eu nunca ouvi falar que o Legislativo seja submetido durante a sua atividade legislativa a fazer consultas que não sejam [aquelas] como são feitas dentro do ordenamento do regimento interno da Casa, quando você tem projeto tramitando na Casa, pode fazer audiência pública, essas audiências sempre acontecem.
E quais foram as medidas para participação das populações indígenas na tramitação desse projeto?
AM – Está tendo a tramitação, então obviamente que essas pessoas podem participar. Os deputados que estão querendo algum tipo de participação podem fazer audiência pública. Isso está absolutamente aberto.
No relatório, o sr. argumenta que a inclusão do marco temporal em lei seria a consolidação de entendimento “amplamente majoritário” do STF. O Supremo concluiu, em embargos de declaração do caso Raposa Serra do Sol, que tal decisão não se aplicava de modo vinculante às demais. Este entendimento foi reafirmado ao ser declarada repercussão geral no tema.
AM – Você está falando de duas coisas diferentes. Uma coisa é que a decisão do Supremo foi uma decisão amplamente majoritária. O Supremo decidiu na Raposa Serra do Sol por ampla maioria que aqueles itens valiam. Agora, se o Supremo vai dar repercussão geral ou não, isso é outra discussão. O que eu afirmei lá foi que o STF deu aquela decisão por ampla maioria.
Está sendo noticiado que há uma movimentação do setor ruralista para que o STF adie mais uma vez o julgamento da matéria, para que o Congresso possa aprovar antes o PL 490. O senhor tem conhecimento dessa movimentação?
AM – Primeiro que a decisão do Supremo não impedirá em nenhum momento que o Congresso aprove a qualquer momento o PL 490. O Supremo está lá com os assuntos dele, e nós estamos aqui com os assuntos nossos.
O Supremo julga, nós fazemos a lei. Então, se o Supremo decidir que não tem marco temporal e, na semana seguinte, nós votarmos a lei dizendo que tem marco temporal, prevalece aquilo que nós estamos estabelecendo. O Supremo não é legislador, o legislador somos nós.
Mas se ele for considerado inconstitucional, poderia ser aprovado?
AM – É só você entender o que é que seria a inconstitucionalidade que tem no texto. Falar em tese [em teoria] é muito difícil. Eu estou dizendo que, se o Supremo decidir amanhã esse caso lá de Santa Catarina e der repercussão geral, nada impede que o Parlamento vote o marco temporal. Se o Supremo apontar uma inconstitucionalidade, aí eu tenho que conhecer o caso concreto.
Críticos ao marco temporal apontam que a Constituição não traz nenhum prazo ao tratar das terras tradicionalmente ocupadas, tampouco prevê tal regulamentação, mas determina que elas são inalienáveis, indisponíveis e que os direitos sobre elas são imprescritíveis. O Legislativo poderia determinar um prazo por projeto de lei?
AM – Essa pergunta beira o absurdo porque é dizer que o Legislativo tem limites para legislar fora das cláusulas pétreas, realmente é algo despropositado.
No entendimento do ministro Fachin [do STF], o artigo 231 seria como uma cláusula pétrea, o senhor concorda com este entendimento?
AM – O artigo 231 não é cláusula pétrea, não tenho esse conhecimento, mas respeito a decisão do ministro Fachin, do mesmo jeito que o ministro Fachin tem que respeitar o Parlamento. Cada um dentro da sua opinião tem que saber qual é o limite da consequência de cada Poder.
De onde viria o critério para estabelecer a data da promulgação da Constituição como data limite?
AM – O óbvio. Onde é que estão todos esses direitos que você está elecando? Emanam de onde?
Isso é um texto da Constituição. A Constituição foi promulgada em 88, então esse direito, essa leitura que a sra. acabou de fazer, não existia até 1988. Então nós só podemos considerar este direito até a data que ela passou a valer. É o óbvio.
Mas antes, outras Constituições, apesar de com outras redações, já não previam o direito?
AM – Mas a sra. tem que escolher qual o texto que a sra. quer usar, não dá para usar tudo. A sra. quer usar este [1988] ou quer usar o da Constituição passada?
A Assembleia Nacional Constituinte é como se você passasse uma régua no passado, referente às leis, e passa a valer dali pra frente aquele arcabouço que a Constituição está estabelecendo.
Foi documentado pela Comissão Nacional da Verdade que povos indígenas sofreram remoções forçadas por ação do próprio Estado. Além disso, há registros de que terceiros ocuparam terras indígenas com aval do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), órgão antecessor da Funai. O PL não acabaria por avalizar que povos percam o direito de reivindicar suas terras?
AM – Eu penso que tem uma situação que você está trazendo [que é] hipotética. Eu não conheço nenhuma dessas situações. Eu entendo que a gente tem uma realidade que já foi atendida, na sua totalidade praticamente, [as] reivindicações dos povos que realmente estavam na terra.
Agora, fora disso, o que nós vemos hoje são pessoas querendo se valer de uma condição que eles não têm nem como comprovar, para querer se fazer de índio. Então eu não concordo absolutamente com essa acepção.
No PL, existe a previsão de que o marco temporal seria afastado, quando se possa comprovar que havia disputa física ou judicial pela posse da terra. Até 88, os indígenas eram tutelados e não poderiam entrar eles próprios ingressarem com uma ação na Justiça.
AM – Mas lá [no texto] está: se tiver algum conflito ou alguma ação judicial. Ou uma coisa ou outra. Então se há um confito, todo mundo tem conhecimento deste conflito, não tenha dúvida. Se há um conflito é de conhecimento de quem está ali, de quem mora naquela região.
Mas eles não têm que comprovar?
AM – Mas veja só, se você tem um conflito, o mínimo que pode existir é a notícia de que teve uma briga, algum registro da delegacia, mesmo que não exista alguma ação judicial, algum registro há de ter.
Agora o que eu acho engraçado é o seguinte. As pessoas falam tanto da demarcação da terra indígena e não se preocupam em como é que o índio está vivendo. A quase totalidade dos índios brasileiros estão abaixo da linha da pobreza.
Na minha opinião, mais importante do que assentar o índio na terra, muito mais importante é você dar de fato a propriedade da terra e não esse usufruto, que permite que o índio fique na terra, mas não possa explorar suas potencialidades no mercado. É isso que eu quero. Eu quero que eles tenham uma situação onde o índio possa produzir, em que não seja mais tutelado.
Um estudo divulgado pela MapBiomas mostrou que as terras indígenas seriam importantes para a preservação do meio ambiente: desde 1985, apenas 1,6% do desmatamento ocorreu em terras indígenas, incluindo as que estão esperando a demarcação.
AM – Eu não vi este estudo. Eu não conheço [Mapbiomas], mas pelo que eu vejo nas televisões, inclusive pelo que eu vi ontem no Fantástico, dos garimpos ilegais em terras indígenas, realmente me faz ter grande dúvida em relação a um dado como esse. Não posso considerar um dado desses diante de tudo que vejo no dia a dia mostrado nas televisões.
Raio-X
ARTHUR MAIA, 57
Foi eleito deputado federal pelo estado da Bahia em 2010 e está em seu terceiro mandato consecutivo. É membro da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA). Desde 2018 é filiado ao Democratas. Advogado e mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Texto: Renata Galf