Decisão da Justiça pode impactar trabalho de mulheres jornalistas
Como falar em privacidade diante de uma mensagem intimidatória?
A divulgação de uma mensagem, como forma de proteção a jornalista mulher que se sentia ameaçada, está prestes a ser julgada no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No mês de luta das mulheres, o caso da jornalista Juliana Dal Piva merece atenção. Ao receber uma mensagem do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, por reportagens que havia publicado, Juliana divulgou o print do texto e foi condenada, em 1ª instância, por ter tornado pública a informação.
O Supremo Tribunal Federal já pacificou, em diversas decisões, que é permitida a divulgação, pelas partes, de conteúdo de conversas, desde que haja uma motivação evidente, como interesse público ou estratégia de proteção. É o caso da repórter. Afinal, a exposição da ameaça leva, muitas vezes, ao recuo do agressor, sendo uma prova de possível autoria.
Agora, a 4ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP deverá analisar esse importante caso, cujo resultado poderá impactar a vida de milhares de profissionais. Em resumo, estará em julgamento um importante precedente sobre a proteção do direito de livre manifestação e expressão de uma jornalista. Se, ao receber uma mensagem intimidatória, misógina e agressiva, poderá ou não dar publicidade ao conteúdo ameaçador.
Esse debate será feito em ação de indenização por dano moral por ameaça à jornalista Juliana Dal Piva contra o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, que a atacou em sua honra e imagem profissional ao enviar comentários de cunho sexual, questionando a ética da repórter. Ele ainda escreveu:
“Faça lá o que você faz aqui no seu trabalho, para ver o que o maravilhoso sistema político que você tanto ama faria com você. Lá na China você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo”.
A mensagem foi enviada imediatamente após a publicação do premiado podcast “UOL Investiga: A vida secreta de Jair”, com gravações de uma ex-cunhada de Bolsonaro admitindo o envolvimento do então presidente da República em um esquema de desvio de dinheiro público.
Sentindo-se ameaçada, Juliana iniciou o processo cível contra Wassef. Ao julgar o caso em primeira instância, o juiz Fábio Junqueira, da 6ª Vara Cível do TJ-SP, condenou Wassef em R$ 10 mil. No entanto, o magistrado também sentenciou a jornalista por divulgar a mensagem, transformando a vítima em ré do seu próprio processo. Para o juiz, a jornalista feriu a privacidade do réu.
Responsabilizar Juliana, vitimada pela violação de seus direitos fundamentais, por publicizar a ameaça que recebeu como forma de defender sua integridade é negar à jornalista o exercício de sua dignidade humana. Há inúmeros casos de violência no Brasil contra jornalistas, e manter a impunidade judicial ajuda a favorecer esse cenário.
Como falar em privacidade diante de uma mensagem intimidatória? Caso esse entendimento seja mantido, o que será das demais profissionais? Que neste mês de luta pelos direitos das mulheres não ignoremos mais um episódio de violência online contra a imprensa, para que tantas jornalistas como Juliana possam seguir tendo voz.
Por Karina Brenbatti e Bia Barbosa