Crise do clima gera prejuízo no campo, com morte de animais e perda de safras
Agronegócio brasileiro é um dos grandes prejudicados pelos cenários mais graves de mudanças climáticas
O agronegócio brasileiro é um dos grandes prejudicados pelos cenários mais graves de mudanças climáticas, que já estão transformando o regime de chuvas e secas no Brasil.
As projeções regionais do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) divulgadas nesta segunda (9/8) mostram aumento das chuvas fortes no Centro-Sul do Brasil, enquanto o Nordeste e a Amazônia devem sofrer com períodos secos mais prolongados.
Para especialistas, o setor do agronegócio conhece as respostas para lidar com a crise do clima. O desafio é expandir as soluções e convencer uma parte cética dos produtores de que o problema é real.
“Nos últimos dez anos, o Rio Grande do Sul e o Paraná tiveram seis anos de perdas por seca. Neste ano, tivemos perdas no Centro-Oeste, e não foi algo que aconteceu só uma vez. É um alerta que estamos dando desde 2007”, afirma Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, especialista em agricultura e mudanças climáticas.
“Temperaturas mais altas já afetam o café e a laranja. Neste ano, também afetaram a cana-de-açúcar e levaram ao aborto de porcas e à morte de pintinhos. Em 2019 e 2020, foi a primeira vez que vi isso, as ondas de calor foram tão intensas que, na divisa entre o Brasil e a Argentina, foram registrados óbitos de bovinos”, diz.
“Como você conserta isso? Planta árvore. Porque os bois vão para a sombra, como a gente vai. O setor precisa adotar práticas mitigadoras e, principalmente, parar de desmatar”, afirma.
Segundo Assad, as práticas que mitigam a crise do clima, reduzindo as emissões de gases-estufa, também conferem maior resiliência aos sistemas agrícolas e servem como medidas de adaptação.
Entre os programas, ele cita o ABC (Agricultura de Baixo Carbono, do governo federal, que dá incentivos para práticas agrícolas que evitam emissões) e as soluções de integração entre lavoura, pecuária e floresta (conhecido pela sigla ILPF).
Para Marcello Brito, presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), as práticas para uma agricultura resiliente já estão em rápido andamento no Brasil e devem, nos próximos 20 anos, mudar a estrutura de produção com novas tecnologias. Ele destaca também os sistemas agroflorestais e a agricultura regenerativa.
“Grandes empresas já há algum tempo exploram modelos climáticos para definir novas áreas de expansão”, afirma Brito. “Risco climático passa a ser item essencial na análise de qualquer investimento agroindustrial.”
Além de grande prejudicado pelos extremos climáticos, o setor agropecuário também responde por parte das emissões de gases-estufa, por causa de fertilizantes, de desmatamento e de mudança do uso do solo. Há também o metano emitido pelos bovinos no processo de fermentação entérica.
O novo relatório do IPCC detalha de forma inédita o papel de gases como o metano no aumento da temperatura. Ele é o segundo gás que mais afeta o clima planetário e, 50 vezes mais potente que o carbono, responde por 0,5 ºC do 1,1 ºC de aquecimento atual do planeta.
“Abater o boi mais cedo, com idade de até 30 meses, reduz as emissões de metano. Elas respondem por 19% das emissões do Brasil e cresceram 6% na última década”, diz Assad.
“Carne carbono neutro já é uma realidade no mercado, e o Brasil é inclusive exportador, mas ainda é preciso expandir [a solução] para o setor”, diz Brito.
“O principal desafio é trocar uma política agroambiental negacionista por uma que transforme nossos problemas em oportunidades. Temos mais a compartilhar com o mundo do que consertar para o mundo, mas estamos deixando que esses erros contaminem nosso potencial de país”, afirma Brito.
No cenário extremo de aquecimento global de 4ºC, além de as mudanças serem mais drásticas nos quadros de chuvas fortes e secas, o país também deve ver alterações mais marcantes no volume de precipitação anual, que fica mais escasso na região Norte e mais volumoso no Sul e Sudeste.
Na maior parte do país –região que abrange Norte, Centro-Oeste, Sudeste e parte do Nordeste–, há projeções de aumento de secas agrícolas e ecológicas para meados do século, em um cenário de aquecimento global de 2°C. Com a aridez, também se espera o aumento de climas propícios para incêndios, com impactos para os ecossistemas, a saúde humana, a agricultura e a silvicultura.
Na Amazônia, o número de dias por ano com temperaturas máximas superiores a 35°C aumentaria em mais de 150 dias até o final do século no cenário de aquecimento global superior a 4°C, enquanto se espera que aumente em menos de 60 dias no cenário de aquecimento limitado a 2°C.
Os impactos na economia, mais especificamente no agronegócio, podem ter diferentes origens, considerando a exposição do setor a intempéries.
Segundo o relatório do IPCC, a região sudeste da América do Sul viu crescer as chuvas de verão, desde 1950. Atividades humanas, contribuíram para isso.
Além disso, o relatório também aponta, nas Américas do Sul e Central, o crescimento de extremos de calor nas últimas décadas e a diminuição de frios extremos.
Um exemplo recente de possíveis efeitos negativos pôde ser visto nas últimas semanas. Uma onda de frio com geadas causou perdas de produção para agricultores do Sul e do Sudeste do Brasil.
Antes disso, uma longa seca em diversas regiões também havia prejudicado outras safras do país. As perdas econômicas no Brasil vão além do agronegócio, e os prejuízos ligados a impactos na saúde e na sociedade começam a ser contabilizados.
O Brasil ficou entre os 18 países com mais perdas econômicas por desastres climáticos em um ranking divulgado em 2018 pela organização alemã de pesquisas Germanwatch, que contabilizou a média de perdas por eventos extremos como secas e inundações nos últimos 20 anos. No período, a média anual de perdas do Brasil ultrapassaram US$ 1,7 bilhão (mais de R$ 8,8 bilhões).
A estimativa levava em conta prejuízos provocados por acontecimentos como tempestades e inundações. Um outro estudo recente apontou o crescimento das populações expostas a enchentes em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Ligado à agropecuária e à grilagem, o desmatamento também é um fator que deve ser levado em conta, principalmente no Brasil, onde a maior fatia de gases-estufa está ligada à devastação da Amazônia.
De agosto de 2020 a julho de 2021, a Amazônia perdeu 8.712 km2, número 5% inferior ao registrado nos 12 meses anteriores (9.216 km2), período de maior desmatamento na série histórica.
As perdas econômicas ligadas à floresta são inúmeras. Além da destruição de serviços ambientais, perde-se também capacidade de sequestro de carbono -que já é passível de quantificação monetária e tem um mercado- e a possibilidade de investimento em biotecnologia.
Há ainda o impacto na esfera da saúde pública. O desmatamento é costumeiramente seguido por queimadas -fonte de emissão de gases-, o que causa grande prejuízo ao ar respirado nas cercanias da Amazônia.
Uma estimativa recente da Fiocruz e da ONG WWF-Brasil aponta que estados da Amazônia com índices elevados de queimadas gastaram, nos últimos 10 anos, quase R$ 1 bilhão com hospitalizações por doenças respiratórias, provavelmente relacionadas à fumaça dos incêndios.
Principais conclusões do relatório do IPCC:
– Aumento de temperatura provocada pelo ser humano desde 1850-1900 até 2010-2019: de 0,8°C a 1,21°C Os anos de 2016 a 2020 foram o período de cinco anos mais quentes de 1850 a 2020
– De 2021 a 2040, um aumento de temperatura de 1,5°C é, no mínimo, provável de acontecer em qualquer cenário de emissões
– A estabilização da temperatura na Terra pode levar de 20 a 30 anos se houver redução forte e sustentada de emissões
– O oceano está esquentando mais rápido -inclusive em profundidades maiores do que 2.000 m- do que em qualquer período anterior, desde pelo menos a última transição glacial. É extremamente provável que as atividades humanas sejam o principal fator para isso
– O oceano continuará a aquecer por todo o século 21 e provavelmente até 2300, mesmo em cenários de baixas emissões
– O aquecimento de áreas profundas do oceano e o derretimento de massas de gelo tende a elevar o nível do mar, o que tende a se manter por milhares de anos
– Nos próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar deve aumentar 2 a 3 metros, se o aumento da temperatura ficar contido em 1,5°C. Se o aquecimento global ficar contido a 2°C, o nível deve aumentar de 2 a 6 metros. No caso de 5°C de aumento de temperatura, o mar subirá de 19 a 22 metros