Crise climática e desmatamento da Amazônia podem deixar 11 milhões de brasileiros sob calor intenso

Somente parar de desmatar não é mais suficiente, diz pesquisador

A destruição contínua da Amazônia, aliada a crise climática global, pode deixar milhões de brasileiros vivendo sob calor intenso, com sensações térmicas que podem superar se aproximar ou superar os 34º C -na sombra.

Essa situação de estresse térmico atingiria principalmente a região Norte do país e pode causar uma série de problemas de saúde para a população local, além do potencial prejuízo para o mercado de trabalho. Sem contar o potencial de aumentar a mortalidade em faixas mais vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com determinados problemas de saúde -mortes que já vemos em ondas de calor que ocorrem atualmente no mundo.

Uma nova pesquisa publicada na revista Communications Earth & Environment (do grupo Nature), na manhã desta sexta (1º/10) chegou a essa conclusão aplicando modelos matemáticos para a situação climática brasileira.

Para fazer isso, os cientistas primeiro se basearam em dois cenários -um intermediário (RCP4.5) e um mais pessimista (RCP8.5)- criados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) para estimar como ficará a emissão de gases do efeito estufa nos próximos anos. Com isso, os pesquisadores foram capazes de apontar como, até o final do século, essa elevação global de temperatura se relacionaria com um processo conhecido como savanização da Amazônia.

A ideia desse conceito é que devido ao desmatamento, a floresta tropical com o tempo vai se transformar cada vez mais em bioma semelhante ao das savanas -um bioma com vegetação mais parecida com o cerrado brasileiro, com árvores de menor porte e mais esparsas.

Diversos estudos e projeções, inclusive, apontam que com o atual ritmo de destruição e degradação da Amazônia, esse cenário não está tão distante assim.

“As indicações são contundentes de que a floresta está em um processo avançado de savanização”, afirma Paulo Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos autores do estudo.
Considerando ainda que a floresta é uma gigantesca bomba de água para a atmosfera, é de se esperar que o processo de savanização interfira na umidade e nas temperaturas da região -isso sem contar nas chuvas no resto do continente.

A soma da crise climática e da savanização levaria mais de 6 milhões de pessoas a um extremo risco térmico à saúde, com sensações térmicas próximas dos 34°C -isso no cenário intermediário de emissões do IPCC. Já se as piores previsões se confirmarem, a quantidade de brasileiros que estará exposta a esse estresse térmico extremo saltará para mais de 11 milhões.

“Uma das coisas que mais chamou a atenção é que o efeito do desmatamento tem a mesma magnitude do efeito total das mudanças climáticas”, afirma Nobre.

O limite de temperatura associado ao extremo risco à saúde humana começa na casa dos 34°C, como aponta a pesquisa. As simulações dos pesquisadores mostram que, no mês mais quente, a média diária de máxima de temperatura na sombra é maior que essa tempetura, chegando a uma máxima de 37°C no cenário intermediário do IPCC e de 41°C, no pessimista.

Nas simulações com a presença da floresta tropical, essas elevadas temperaturas não foram alcançadas.

Segundo os pesquisadores, as pessoas seriam expostas por, no mínimo, uma hora por dia a essa sensação térmica. “Quando você tem 40ºC na sombra, para onde você vai? Onde você vai se esconder?”, diz Nobre.

De acordo com a pesquisa, as principais vítimas dessa situação vão ser as populações em condições de maior vulnerabilidade social, considerando infraestrutura, saúde e renda, por exemplo na região afetada.
O estudo aponta menor potencial de resposta da região aos possíveis efeitos da combinação de desmatamento e mudança climática, e relembra que, na pandemia de Covid, a Amazônia foi o primeiro local do país a ter serviços de saúde colapsando.

Mas toda a Amazônia vai realmente virar a savana? Não necessariamente. Segundo o pesquisador do Inpe, os modelos às vezes têm dificuldade de apontar a velocidade dos impactos das mudanças. Por isso, os cientistas decidiram “exagerar” a situação, para conseguir compreender o potencial impacto da floresta tropical -ou da ausência dela, no caso.

Segundo Nobre, não é preciso perder toda a floresta para haver o estresse térmico e os efeitos combinados de desmate e crise climática já são sentidos atualmente.

Não há mais como controlar um dos aspectos apresentados na pesquisa: a crise climática, já instalada e que necessariamente continuará a evoluir, como mostrou o relatório mais recente do IPCC.

Mas a destruição da Amazônia ainda pode e precisa ser contida. Se o desmatamento não for controlado a tempo, a situação é de leite derramado, diz o pesquisador.

Além de zerar o desmate, Nobre aponta que o investimento em reflorestamento, e não só na Amazônia, é essencial. Para isso, seria necessária ação das esferas política, econômica e da sociedade civil.

“Parar de desmatar não é mais suficiente. No Titanic não era mais suficiente parar os motores para não bater no iceberg”, compara o cientista do Inpe.

Nobre aponta ainda que apesar do efeito no Norte das altas temperaturas ser maior, outras parcelas do Brasil também sofreriam, segundo a modelagem realizada. E o problema está longe de ser “só” o estresse térmico.

O pesquisador relembra do papel da Amazônia na regulação de chuvas e o potencial de desequilíbrio no ciclo hidrológico que sua destruição causa. Isso se torna mais importante ainda quando pensamos que a maior parte da produção de energia no Brasil é proveniente de usinas hidrelétricas. “Uma usina com lago seco não produz nada de eletricidade”, afirma Nobre.

O Brasil, atualmente, já passa por um momento de crise de energia e problemas no abastecimento de água em diversas regiões do país, com secas prolongadas e conta de eletricidade mais alta.

Por Phillippe Watanabe

 

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