Cresce número de medicamentos e produtos à base de cânabis no Brasil

Anvisa já concedeu nove registros no Brasil; pedidos em análise são 14

Registros de produtos e medicamentos à base de cânabis, popularmente conhecida como maconha, já totalizam nove no Brasil, segundo informações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Eles são utilizados para tratamento de epilepsia, esclerose múltipla e redução de dores crônicas, entre outras aplicações.

Além dos nove registros concedidos, a Anvisa tem atualmente outros 14 pedidos em análise de produtos e medicamentos feitos com Cannabis.

O uso da planta para fins medicinais data de aproximadamente 5.000 anos atrás, quando os chineses começaram a usar a erva com esse intuito, afirma Pedro Pierro, médico neurocirurgião funcional e diretor técnico do CEC (Centro de Excelência Canabinoide). Mesmo assim, a ciência moderna demorou para estudar a Cannabis com a intenção de tratar patologias.

“Até a década de 1990, achava que era como se fosse um remédio caseiro”, afirma.

Fabrício Pamplona, farmacologista de canabinoides e doutor em farmacologia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), explica que, somente a partir da década de 1980 nos Estados Unidos, a maconha foi adotada com três finalidades medicinais: promoção do bem-estar de pacientes, aumento de apetite e diminuição de dores em pessoas com HIV ou com câncer.

Mesmo assim, ela ainda era utilizada de forma bem menos sofisticada do que é feito hoje. “Não existia essa tentativa de padronizar a planta ou purificar o composto. Era um outro momento. A Cannabis, inclusive, era fumada”, afirma o farmacologista.

Nos anos 2000, houve o primeiro medicamento registrado à base de maconha que era indicado para o tratamento de esclerose múltipla, uma doença neurodegenerativa.

O farmacologista ainda fala de uma terceira onda do uso da planta para fabricação de remédios: desde 2015, pesquisas aumentaram vertiginosamente para desenvolver fármacos contra a epilepsia.

No Brasil, a Anvisa regulamentou o uso de medicamentos derivados da maconha e permitiu sua venda nas farmácias em 2019.

Os nove registros que a Anvisa já concedeu se dividem em dois tipos: produto e medicamento. Segundo a agência reguladora, os catalogados como produtos “seguem requisitos de fabricação, controle, fiscalização e monitoramento semelhantes aos aplicados a medicamentos”, mas não têm “obrigatoriedade de apresentar estudos completos de segurança e eficácia”.

“Esses produtos podem ser utilizados pela população brasileira, conforme orientação e prescrição médica, enquanto os estudos clínicos confirmatórios de sua eficácia são concluídos para que eles possam ser então registrados como medicamentos”, completou o órgão.

Atualmente, existem oito produtos à base de maconha já autorizados pela Anvisa. Eles utilizam o canabidiol (CBD) em sua composição ou são extratos da Cannabis.

Segundo Pamplona, eles são utilizados principalmente para tratamento de epilepsia, mas também ajudam pacientes com problema de sono e ansiedade.

O farmacologista explica que existe uma pequena diferença entre o canabidiol puro e a versão em extrato. “Um produto que tem origem de planta e mantém os demais componentes, não somente o CBD, é um extrato. [Já] o produto que ou é sintético ou purifica o CBD é descrito como canabidiol”, conta.

Da categoria de medicamento, a Anvisa informou que o país tem autorização para somente um fármaco, chamado Metavyl, indicado para esclerose múltipla.

Pamplona explica que a fórmula dele tem uma proporção igual entre CBD e THC (tetrahidrocanabinol), outra substância encontrada na maconha, mas não existem efeitos psicoativos nos pacientes.

Além das doenças mais comuns para as quais a cânabis é destinada, já existem evidências de outras patologias em que as propriedades da erva também poderiam ser úteis.

“Hoje em dia, por exemplo, existe um compêndio da Health Canada, agência regulatória canadense, que menciona quase 40 patologias em que há potencial para a Cannabis”, afirma Pamplona. Ele menciona usos para tratamento antitumoral e a possibilidade de expandir para outras doenças neurodegenarativas, como Parkinson e Alzheimer.

O alto potencial de uso da erva se relaciona com o modo com que ela age no corpo humano. “É como se a planta atuasse na manutenção do equilíbrio do organismo e ela faz isso principalmente regulando a liberação de neurotransmissores e promovendo o controle de mediadores inflamatórios que são associados a doenças”, explica.

Em junho, uma comissão especial da Câmara dos Deputados já aprovou um projeto de lei que autoriza empresas a fazer o cultivo da maconha com fins científicos ou medicinais.

Porém, ainda é preciso que ela seja votada em plenário e, se for aprovada, ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) -crítico ferrenho desse tipo de medida.

Outro entrave para a expansão dos medicamentos que têm a maconha como base é o preço. Pierro afirma que os fármacos são muito caros e não são disponibilizados em nível federal pelo SUS.

Uma saída, então, seria plantar e produzir o próprio remédio, mas essa ainda é uma realidade pouco presente no país. O neurocientista estima que, atualmente, existam cerca de 500 habeas corpus preventivos que autorizam a plantação da Cannabis para fins medicinais.

Por Samuel Fernandes

 

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