Contra AGU, presidente dos Correios realiza operação de mais de 2 bi e beneficia sócios e advogados amigos
Em meio a esta 'jogada', está a vida de mais de 40 mil trabalhadores, boa parte deles, aposentados
Contrariando recomendação da Advocacia-Geral da União (AGU), a presidência dos Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) assinou, em fevereiro deste ano, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) favorável ao Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos (POSTALIS), que pode brevemente extinguir um processo antigo das varas judiciais. Porém, trocando em miúdos, a manobra, se bem sucedida, pode, na verdade, servir apenas para beneficiar diretamente os escritórios advocatícios que trabalham na causa, e não os trabalhadores. Isto porque a União, representada pela AGU, pode recorrer da decisão da Justiça.
[Essa matéria foi editada nesta terça-feira (13). O documento assinado pelo atual presidente dos Correios, Fabiano da Silva Santos, foi um Termo de Confissão de Dívida e não um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), como veiculado pelo MB. O portal Mais Brasília (MB) ratificou o erro em um editorial, publicado nesta terça-feira (13), com o título – Caso POSTALIS/Correios: Porque relações pessoais de gestores, segundo estatuto da própria estatal, pode configurar conflito de interesses, gerando improbidade administrativa.]
Em meio a esta ‘jogada’, está a vida de mais de 40 mil trabalhadores, boa parte deles, aposentados. Uma greve deflagrada deste o dia 8, nas regiões mais populosas do país, que gera quase 50 milhões de prejuízo por dia. Um rombo de quase 1 bi nos cofres públicos, apenas no primeiro trimestre de 2024, que ficou sob sigilo durante quase 2 meses. Vale ressaltar ainda que, o POSTALIS é um órgão vinculado aos Correios. E nele trabalham aproximadamente 300 pessoas.
Ocorre que o imbróglio POSTALIS/Correios é antigo. Este processo, de quase 5 mil páginas, de nº 0006949-35.2015.4.01.3400, corre na 7ª Vara Federal DF, com a juíza Luciana Raquel de Moura, desde 2/2/2015.
Mas a manobra é atual e pode movimentar valores bilionários; montantes que ultrapassam os 2 bilhões do processo, cifra calculada ainda em 2015. Isto porque, para se ter uma ideia, o valor da causa para o escritório que advogava para o POSTALIS, neste processo de 2 de fevereiro de 2015, estava em exatos R$ 254.365.937,86 milhões. Nesta época, o grupo BICHARA era o representante jurídico do POSTALIS.
Atualmente, quem representa o POSTALIS é o escritório do advogado Wagner Balera. Balera assumiu o processo em 2018. Em 2019, há artigos publicados no site do Grupo Prerrogativas, assinados conjuntamente por Balera e Fabiano da Silva Santos, atual presidente dos Correios. Em um dos textos, ambos autores explicitam questão do regime de previdência complementar. (Vide link). Os dois, Fabiano e Balera, fazem parte do mesmo núcleo de amizades.
Além de advogado, Wagner Balera é professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) há décadas, universidade em que Fabiano está cursa doutorado. Advogados-sócios do atual presidente dos Correios também figuram neste processo.
Antes, porém, da existência desse processo do POSTALIS, em meados de 2013, o atual presidente dos Correios, advogava para o POSTALIS. Em correspondência jurídica do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), há processos em que é possível verificar essa atividade, em que Fabiano e sua ex-esposa, figuram como advogados do POSTALIS.
Entender o porquê os trabalhadores perdem, mesmo com a presidência dos Correios assinando este TAC, é mais simples e mais fácil do que se imagina. No princípio, pode-se imaginar que um TAC solucionaria a questão porque os Correios pagam a dívida com o POSTALIS, e os trabalhadores, enfim, lucrariam. Mas isso não ocorre porque o tal TAC assinado infringe as normas pré-estabelecidas pela AGU que, por sua vez, legisla sob condução da Lei das Estatais. Isto, trocando em miúdos, foi dito ao portal Mais Brasília (MB) pelo próprio advogado do POSTALIS, Wagner Balera:
“A AGU entrou na questão porque uma estatal não pode ferir a Lei das Estatais/a Lei 108, que é uma lei que criou um limitador para os valores a serem pagos. Tem que se obedecer um contexto de paridade. Um exemplo clássico [dessa desobediência] é Furnas. Anteriormente, há anos, o Governo, a estatal, pagava 4, 5 vezes mais; e o empregado paga uma vez, de algo que é uma previdência ‘privada’/particular’.”
Balera conta que entrou no processo em 2018, através de um sócio, que já estava no processo: o escritório BICHARA.
“A estrutura do meu escritório entrou neste processo em 2018. Vim através de um sócio meu, que já estava neste processo, por meio do escritório dele, nos autos do processo consta o nome do escritório dele, o BICHARA”.
Acerca o imbróglio POSTALIS/Correios, Balera argumenta:
“Para compreender-se a questão do POSTALIS com os Correios, é preciso entender como funciona a previdência complementar. Há, no Brasil, dois seguimentos dessa previdência complementar. Um destes seguimentos, em que os Correios estão inseridos, tem legislação própria e órgão específico. Este órgão específico é o POSTALIS”.
E continua:
“Pois bem, a PREVIC é o órgão controlador e de fiscalização. Há um entendimento de que os Correios devem valores da previdência para pessoas que já trabalharam nos Correios antes da existência e da idealização do POSTALIS como órgão específico. Esses valores devidos a estes trabalhadores integram, nos Correios, o que chamamos de Serviço Passado. O POSTALIS, então, entendeu que deveria pagar. E de que estes valores devem ser acertados com estes trabalhadores em questão. Porém, exatamente nesse aspecto, houve [e ainda há] uma divergência. Isto porque a AGU, que é, digamos, o advogado do Governo, entendeu que, para pagar, precisa existir paridade. Paridade, ou seja, igualdade no que deve ser pago. Porque, senão, desculpe-me o termo chulo, vira ‘farra do boi’, como já ocorreu anos atrás. Porque este dinheiro, da Previdência, acaba sendo tirado de todos nós, do bolso do trabalhador. Então, no caso dos Correios, a AGU está correta em estabelecer essa decisão.”
GREVE:
Nesta última quinta-feira (8), entraram em greve os trabalhadores dos Correios de São Paulo, Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, Alagoas, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Amapá, Ceará, Maranhão, Paraná, Tocantins, Rondônia. Os outros estavam, também na quinta, em “estado de greve”, somente aguardando novo posicionamento da presidência da estatal, para deflagrarem greve a partir do próximo dia 15. Concomitantemente a isso, parlamentares seguem na tribuna, posicionando-se críticos à atual presidência dos Correios.
Como o exemplo do deputado estadual Tomaz Holanda (Avante-CE), que na mesma quinta (8), disse:
“Não poderia deixar de falar hoje, quando eu vim a esta Casa, na Tribuna criticar o presidente dos Correios, alguns acharam que eu estava exagerando, me excedendo. Devido erros, incompetência do senhor Fabiano, os trabalhadores dos Correios, juntamente com os sindicatos, em assembleias, deflagraram greve em praticamente todo o país, inclusive aqui no estado do Ceará, o SINTECT-CE, Bauru, São Paulo, Amapá, Mato Grosso, Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia; todos estes já estão em greve. Por isso, eu volto a insistir neste tema, porque o assunto é sério, mexe com o país. Por isso, eu peço mais uma vez, ao nosso ministro Padilha, a todos do nosso governo, esse rapaz não era mais nem para estar à frente dos Correios. Eu, em minha fala, anteriormente, eu pedia, Fora, Fabiano, já; senão os Correios vão quebrar. E agora, quem está gritando, Fora, Fabiano já, não é o deputado; hoje são os funcionários dos Correios, que estão deflagrando esta greve; então tudo o que eu denunciei, está aí hoje, vocês estão vendo. Esta é a realidade do país agora”,
INTRANSIGÊNCIA?
Na manhã desta sexta (9), o Primeira Hora, boletim oficial de comunicação interna dos Correios, num texto ríspido e truncado, com o título INTRANSIGÊNCIA, atacou os sindicalistas e não trouxe nenhuma nova proposta para solução da principal pauta colocadas pelos trabalhadores à estatal; que é a revisão das taxas excessivas do plano de saúde.
Eis parte do texto: “Causa estranheza a impaciência desses sindicatos e a pressa por iniciar uma greve na primeira semana de agosto, enquanto no ano passado esperaram até final de dezembro para assinar o acordo”.
ENTENDA O CASO POSTALIS/CORREIOS TECNICAMENTE:
RTSA – Reserva Técnica Serviço Anterior, como o próprio nome diz, representa o Serviço Passado no plano de Benefício Definido Saldado PBD do Postalis, sendo uma dívida que os Correios tem com o Plano e, reflete o montante atribuído ao tempo de serviço ANTERIOR à data de criação do plano BD em 1981 e corresponde ao valor do custo que os Participantes que ingressaram tardiamente (ou com idade avançada) representavam para o Plano e que começaram a receber o benefício com pouco tempo de contribuição e os Correios assumiram o compromisso de pagar este montante naquela época.
Em 2015, o valor deste dívida estava acima de R$ 2 bilhões, representando 13,5% do déficit.
Essa questão gerou um Plano de Equacionamento no Plano BD Saldado, reduzindo benefícios dos Participantes, como, por exemplo, na pensão por morte, que foi de 85% para 50%. Outro exemplo é a extinção do pecúlio por morte. Outra mudança é a taxação do 13º em 75%, como contribuição extra, aumentando tal contribuição para 23,21% sobre o valor mensal recebido pelos aposentados e pelos participantes ainda na ativa, que passou a ser de forma vitalícia.
TOTAL DE PARTICIPANTES AFETADOS:
O Plano BD Saldado conta com 30.233 Participantes assistidos (aposentados desligados dos Correios) e tem + 7.411 pensionistas, num total de 37.644 pessoas que dependem do recebimento dos benefícios do plano, cuja maioria está em idade acima de 60 anos, fase em que o trabalhador mais precisa do benefício. E, o Plano BD Saldado do Postalis, conta ainda com mais 40.559 participantes ainda na ativa nos Correios, que esperam receber seus benefícios no futuro.
SALDAMENTO REALIZADO NO PLANO BD EM 2008:
Esta dívida da RTSA ficou mais explicitada a partir do saldamento do Plano BD, ocorrido em 2008, com o redimensionamento (aumento) do valor atribuído ao Serviço Passado, e obrigações referentes ao tempo de contribuição dos participantes, desde a criação do plano em 1981, e, portanto, antes do saldamento feito em 2008.
POLÍTICA INFERFERIU NA SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DA RTSA PELOS CORREIOS:
Segundo fontes do MB, de dentro da estatal, há indícios de que a suspensão do pagamento da dívida da RTSA, adotada pelos Correios em abril de 2014, ocorreu a mando do Governo à época, revertendo aos cofres da empresa o valor de R$ 1.086 bilhão, disponível para pagar a RTSA, por meio de uma ‘jogada política’.
Isto porque os Correios, à época, fechariam o balanço de 2013 no vermelho e, geraria notícia ruim de uma Empresa pública, que não fechava seu balanço no vermelho a mais de duas décadas e, se isto ocorresse, prejudicaria o Governo que na época enfrentava eleições.
Após a suspensão do pagamento da RTSA, o balanço dos Correios, que fecharia no vermelho e com um déficit de R$ 1 bilhão, ficou no azul em R$ 9 milhões e, a dívida foi repassada de forma cruel aos participantes que terão o desconto em holerite pela vida toda.
O descumprimento da palavra dada: o DEST e a própria Diretoria dos Correios já haviam reconhecidos a responsabilidade da Empresa por esta dívida em 2010 e 2011 e de fato a suspensão do pagamento adotado em 2014, cujo pagamento era de R$ 23 milhões por mês em média, a ser pago até 2027, soou estranho.
Os participantes do POSTALIS recebem valores entre R$ 1.200,00 a R$ 2.000,00 e o não pagamento da dívida pelos Correios gera aumento na contribuição extra, que vem sendo paga pelos participantes desde 2015.
RESPOSTA DOS CORREIOS/POSTALIS:
Para produzir esta reportagem, a redação do MB demandou a assessoria de imprensa dos Correios na última quarta (7), com a seguinte questão, estou com um processo de quase 5 mil páginas sobre o POSTALIS. Quero saber se podem falar sobre. Por e-mail, os Correios solicitaram que a redação procurasse diretamente a assessoria de comunicação e imprensa do POSTALIS. A redação prontamente procurou pela assessoria indicada, que disse que tentaria responder aos questionamentos. A redação questionou à assessoria do POSTALIS se o atual presidente dos Correios já teria advogado para o POSTALIS. Mas até o fechamento desta reportagem, não houve resposta.
Obs:. [Essa matéria foi editada nesta terça-feira (13). O documento assinado pelo atual presidente dos Correios, Fabiano da Silva Santos, foi um Termo de Confissão de Dívida e não um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), como veiculado pelo MB. O portal Mais Brasília (MB) ratificou o erro em um editorial, publicado nesta terça-feira (13), com o título – Caso POSTALIS/Correios: Porque relações pessoais de gestores, segundo estatuto da própria estatal, pode configurar conflito de interesses, gerando improbidade administrativa.]