Com incidência crescente, câncer representa desafio para gestores e legisladores
"Em 2029, câncer será a principal causa de mortes no Brasil", diz pesquisador
“Em 2029, o câncer será a principal causa de mortes no Brasil. O que nós estamos fazendo para evitar esse cenário? E, caso ele ocorra, como estamos nos preparando para que não haja mais sofrimento?”
Foi com essa provocação que Eduardo Fróes, presidente da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), concluiu sua apresentação no painel Poder Público e Seus Desafios na Oncologia, do 8º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado virtualmente entre 20 e 24 de setembro.
Mediado pelo jornalista Heródoto Barbeiro, o encontro reuniu, além de Fróes, a deputada federal (PDT-RO) e coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Prol da Luta Contra o Câncer, Silvia Cristina, e a chefe de gabinete do Departamento de Atenção Especializada da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Maria Inez Gadelha.
Silvia Cristina defendeu uma maior concentração de esforços e recursos públicos no combate ao câncer com base em uma comparação à reação do Estado à Covid-19. “Há pouco mais de um ano, temos aprovado créditos adicionais e um orçamento que não estava previsto para lidar com a pandemia. Acontece que a pandemia vai passar, o câncer não. É uma doença milenar e pesquisas indicam que, em 2050, pelo menos uma em cada duas pessoas no mundo terá câncer”, disse.
Para ela, alguns avanços importantes já ocorreram no país, como as leis que estabelecem os prazos de 30 e 60 dias para que um caso suspeito seja diagnosticado e um caso confirmado tenha seu tratamento iniciado, respectivamente.
Contudo, diversos desafios permanecem e esbarram, via de regra, no mesmo problema; a falta de orçamento. O que se manifesta em uma rede “menos eficaz do que deveria ser na prevenção e no diagnóstico” e na lenta incorporação de novas drogas e tratamentos ao SUS.
Nesses momentos, segundo Cristina, questiona-se o valor elevado da medicação. “Mas quanto vale uma vida? Ele é muito mais valiosa que um remédio. Independentemente de se tratar do câncer, todos nós temos direito de tomar medicamentos de primeira linha.”
Eduardo Fróes foi na mesma direção. Por um lado, afirmou que avanços normativos não se traduzem na realidade concreta e que caberia aos órgãos de controle garantir o cumprimento eficaz das diretrizes estabelecidas e o controle dos gestores.
Apesar da aprovação da lei dos 30 dias, por exemplo, 15% dos pacientes com câncer de pulmão e 31% daqueles com a doença no ovário têm de esperar mais de 30 dias entre a consulta com o especialista e o recebimento do diagnóstico.
Por outro lado, ele elencou diversas iniciativas que tramitam no Congresso e poderiam promover o combate e o tratamento do câncer. Como o projeto de lei 7.082, que suplanta entraves à pesquisa clínica em seres humanos e seria “um divisor de águas na oncologia do país”. Ou o projeto legislativo que institui a chamada “químio oral”, aprovado por Câmara e Senado e vetado pelo presidente Jair Bolsonaro em julho deste ano.
Fróes ainda lamentou a falta de articulação das redes oncológicas e a carência de determinados serviços em algumas regiões. Estados como Acre, Roraima e Amapá, por exemplo, não contam com aparelhos de radioterapia, obrigando pacientes a se deslocarem para realizar seus tratamentos. Segundo ele, a fragilidade na disponibilidade de exames e diagnósticos acaba atrasando o tratamento e levando a “mais sofrimento para o paciente e seus parentes e mais gastos para o SUS”.
Maria Inez Gadelha reconheceu também a importância de uma oferta de tecnologias avançadas, sobretudo para a realização de diagnósticos precisos. Mas criticou uma abordagem do câncer que se resuma à discussão acerca de terapias inovadoras.
Cumpriria reconhecer, em primeiro lugar, a variedade de necessidades colocadas pelo câncer e que passam pela prevenção, pela detecção, pelo tratamento e pelo cuidado paliativo. Daí a importância de uma rede articulada para lidar com “cânceres que podem ser prevenidos, evitados, curados e tratados”.
Em segundo lugar, Gadelha defendeu que não faz sentido descentralizar todos os serviços. “Eu jamais descentralizaria tratamentos de baixa incidência. Se diluirmos o atendimento de câncer pediátrico, por exemplo, não teremos expertise suficiente e vamos desperdiçar recursos”, afirmou.
Não adiantaria falar só em remédio, embora esse seja o maior gasto individual da oncologia. Mais urgente do que discutir a incorporação de novos tratamentos seria “reduzir o imperativo de uso de tecnologias e melhorar a prestação de serviços”. O que passa, para ela, pelo trabalho colaborativo entre os gestores de diferentes esferas de poder executivo e os atores do legislativo e do judiciário.
8º Congresso TJCC (Todos Juntos Contra o Câncer)
Quando de 20 e 24 de setembro
Onde assistir no site congresso.tjcc.com.br
Texto: Philippe Scerb