Casos de gripe sobem no Rio e em São Paulo após flexibilização de regras contra Covid
O vírus influenza, causador da gripe, é um dos mais culpados, mas não é o maior
Já era esperado que a flexibilização das medidas protetivas contra o coronavírus, bem como a volta às aulas de forma presencial, facilitariam a circulação de outros vírus. A expectativa vem se confirmando nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, que veem um aumento do número de casos de gripe e de outras infecções respiratórias.
Em alguns prontos-socorros da capital paulista foi observada uma alta na procura por conta de viroses respiratórias. Os sintomas se assemelham ao de um quadro gripal.
O vírus influenza, causador da gripe, é um dos culpados, mas não o maior. Estão na lista principalmente o sincicial respiratório, parainfluenza, enterovírus, rinovírus e bocavírus, segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.
Dados da Secretaria Municipal da Saúde mostram que, de julho a novembro deste ano, foram contabilizados 92 casos de influenza com duas mortes (ambas em agosto). Segundo diretriz do Ministério da Saúde, são de notificação compulsória apenas as ocorrências graves de gripe.
A Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde) alerta que durante todo o ano foram identificados casos de influenza em pequena quantidade, demonstrando que o vírus permanece em circulação.
No Hospital Sírio-Libanês, região central de São Paulo, neste segundo semestre, os meses de setembro, outubro e novembro registraram o maior número de casos de infecção por vírus respiratório –153, 207 e 179, respectivamente. Os dados não contemplam os de Covid-19.
Para Celso Granato, infectologista, virologista e diretor clínico do Grupo Fleury, não é comum ter tantos vírus respiratórios em circulação nesta época do ano.
“Agora estamos vendo um certo rebote. A imunidade das pessoas vai enfraquecendo ao longo do tempo, porque você não reencontra esses vírus. Na hora que deixa de usar máscara, lavar as mãos, tomar os cuidados e passa a aglomerar, encontramos uma população mais desprotegida que há dois anos”, diz ele.
“Também estamos tendo uma primavera esquisita, mais fria e seca e isso é ótimo para vírus respiratório”, completa Granato.
Pedro Augusto Nogueira Vieira, otorrinolaringologista do Hospital Cema, diz que nos últimos dois meses houve uma percepção do aumento de casos de gripe, mas na maior parte sem gravidade.
“Só que temos que ficar atentos em relação à evolução, que em idosos e crianças pode ser preocupante. As pessoas esqueceram a vacina contra a gripe, que ficou em segundo plano por conta da vacina contra a Covid. Por isso, esses vírus estão circulando”, afirma.
Vieira alerta que a flexibilização do uso de máscaras em ambientes abertos pode contribuir para o crescimento das infecções respiratórias. “A contaminação aumenta e temos a transmissão do vírus com maior facilidade através de gotículas de saliva. O ideal seria que as pessoas continuassem a usar máscara”, diz ele.
Na avaliação de Francisco Ivanildo de Oliveira Junior, infectologista e gerente de qualidade do Sabará Hospital Infantil, há uma mistura de vírus em circulação.
No hospital, houve um aumento expressivo no volume de atendimento e de internações. A alta se refere predominantemente a causas respiratórias não ligadas a Covid-19, de acordo com Junior.
De julho a novembro deste ano, ocorreram 346 atendimentos no pronto-socorro. Em 2020, no mesmo período, foram 269.
“Normalmente no segundo semestre, temos um pequeno pico entre agosto e outubro. Neste ano, está mais intenso e demorado do que nos anos anteriores. Não é o influenza que está aparecendo neste ano, mas sim uma mistura de vírus, como o parainfluenza 3, bocavírus, vírus sincicial respiratório, que em crianças pequenas causa bronquiolite, mas nas maiores e nos adultos provoca resfriado. O que temos visto são muitos quadros respiratórios virais, que se manifestam de várias maneiras e em alguns casos pode causar até pneumonia”, explica Junior.
Ainda em relação aos pequenos, o contingente entre 1 e 2 anos de idade teve menos contato com esses vírus respiratórios durante a pandemia. Por isso, não desenvolveu anticorpos contra as infecções respiratórias e agora está adoecendo de forma mais intensa.
No ano passado, por conta das medidas de distanciamento social, algumas doenças virais praticamente desapareceram, segundo Junior. “Em 2021, com as flexibilizações, esses vírus voltaram a aparecer, mas de forma diferente do habitual. Não tivemos uma sazonalidade de influenza durante nosso inverno.”
Na opinião do professor de infectologia da Unifesp, Paulo Abrão, em quase dois anos de pandemia as pessoas foram treinadas para reconhecer os sintomas de viroses respiratórias e estão muito atentas.
O uso de máscaras, a higienização das mãos e o distanciamento físico diminuíram a transmissão da Covid-19 e de outros vírus. “Quando você retorna à antiga forma de comportamento, fica novamente exposto”, diz o infectologista.
Vacinação no Rio A Prefeitura do Rio de Janeiro fez uma convocação para que a população da cidade se vacine contra a gripe comum após um surto da doença.
O comunicado divulgado nesta quarta (24) é voltado para toda a população acima dos seis meses de idade.
O surto acontece fora da época habitual. A transmissão da gripe costuma se dar com maior intensidade no inverno.
O aumento de casos ocorre após uma baixa adesão à campanha de vacinação contra a doença, realizada até agosto. Apenas 55,7% do grupo prioritário (idosos, gestantes e puérperas, crianças de 6 meses a 5 anos) foi imunizado. Em razão da pouca procura, a secretaria já havia autorizado a aplicação de doses para toda a população.
“Não era esperado ter um aumento de casos de influenza nesse período do ano. Estamos tendo esse ano justamente pela baixa cobertura vacinal da gripe”, afirmou o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, à TV Globo.
De acordo com a secretaria, o vírus que mais tem circulado é o H3N2, da Influenza A.
A prefeitura autorizou inclusive que a vacina da gripe seja aplicada no mesmo dia da contra a Covid-19. Segundo o município, estudos apontam não haver risco da imunização simultânea.
Os principais sintomas da gripe e da Covid-19 são semelhantes. Todas as pessoas com este quadro são submetidas ao teste para detectar o coronavírus. A presença dele tem sido reduzida: apenas 1% dos exames na última semana.
O número de pessoas hospitalizada com o coronavírus também está em queda na cidade. De acordo com a prefeitura, há apenas 29 pessoas internadas na rede pública carioca com Covid-19.
Por Patrícia Pasquini e Ítalo Nogueira