Cadastro ambiental pode ser usado para grilagem de terras públicas no AM, aponta estudo
Aproximadamente 90% dos cadastros da região não estão de acordo
Instrumento importante para regularização ambiental, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) pode estar sendo utilizado para declarações ilegais de posse de terras públicas no sul do estado do Amazonas, aponta uma nova pesquisa.
O estudo, publicado na revista Land Use Policy, apontou que aproximadamente 90% dos cadastros na região não estão de acordo com as leis ambientais brasileiras.
O geógrafo Gabriel Carrero, um dos autores da pesquisa, explica que essa ação pode facilitar a grilagem de terras no futuro. Isso porque uma das funções do CAR é permitir que pequenos agricultores registrem terras que ocupam, mesmo que eles não tenham a titulação oficial. A ideia é que o cadastro possa ajudar a obter o documento de posse no futuro.
Para Carrero, grileiros acabam se aproveitando dessa situação ao registrar terras públicas como se fossem deles. Depois, usam o CAR para reivindicar a posse dessas áreas.
A reportagem entrou em contato com o SFB (Serviço Florestal Brasileiro), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura responsável pelo CAR, e com o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
O cadastro foi criado em 2012 e deve ser feito por qualquer pessoa que tenha uma propriedade rural. Ele compila uma série de dados e auxilia no combate ao desmatamento, por exemplo, ao permitir que o poder público saiba quem ocupa uma área que está sendo destruída. É a partir dele que um proprietário obtém a regularidade ambiental do imóvel.
Os pesquisadores responsáveis pelo novo estudo usaram dados públicos para analisar uma região de 300 mil quilômetros quadrados no sul do Amazonas, que envolve sete municípios.
O grupo então comparou os registros feitos no CAR em terras públicas nessa área com outros cadastros existentes, e encontrou uma série de irregularidades.
No total, 90,6% dos cadastros observados tinham alguma ilegalidade, diz Carrero. Alguns, por exemplo, reivindicavam áreas de proteção, que não podem pertencer a pessoas físicas. São os casos, por exemplo, de territórios indígenas, unidades de conservação e áreas militares -estas são responsáveis por 45,8% do total de terras consideradas ilegais.
Outros CARs até estavam registrados em terras públicas que permitem a propriedade privada, como assentamentos rurais convencionais e terras públicas não destinadas. Nesses casos, estavam irregulares porque ultrapassavam o limite estabelecido em lei para esses tipos de propriedade, de 2.500 hectares, explica o pesquisador.
Além de uma possível ocupação irregular, a área analisada também sofre com o desmatamento. A região corresponde a 20% do tamanho total do Amazonas, e, no ano passado, respondeu por 63% do desmatamento no estado -o equivalente a mais de 19 mil quilômetros quadrados.
Em 2020, os sete municípios tinham concentrado 80% do desmatamento no estado.
“Um outro estudo mostrou que 35% de todo o desmatamento acumulado no sul do Amazonas ocorreram dentro dessas áreas do CAR que estão sobrepostas com terras públicas e que a metade disso, ou seja, cerca de 17%, foi dentro de cadastros considerados ilegais”, afirma Carrero.
“O desmatamento ocorre ali porque é uma região de fácil acesso por estradas, onde o governo também criou alguns projetos de assentamento e incentivou a expansão da agricultura. Além disso, é mais perto de Rondônia e Mato Grosso onde já se tem uma cultura agropecuária”, diz o pesquisador.
Por Samuel Fernandes