Brasil deveria ser a primeira nação neutra em carbono, diz presidente da Roland Berger
Quem faz essa afirmação é o presidente da consultoria internacional Roland Berger
A pandemia e a crise do clima estão causando grandes mudanças no modelo de desenvolvimento econômico, e o Brasil tem potencial para ser um dos países vencedores. Quem faz essa afirmação é António Bernardo, presidente da consultoria internacional Roland Berger no Brasil.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele diz que o país deveria se esforçar para ser o primeiro a atingir a neutralidade de carbono. “Isso seria uma meta fantástica. Quase todos os países, principalmente na Europa, estão colocando 2050 como prazo para a neutralidade”, diz.
Para Bernardo, o Brasil pode ser líder em tudo que é relacionado a indústrias sustentáveis, mas é preciso que o setor privado tenha um papel diferente.
Segundo ele, as companhias ainda estão apenas no discurso do ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança), apesar de algumas boas exceções.
“Ainda falta profundidade, ou seja, analisar claramente toda a cadeia de valor”, afirma. “Temos que ir para o próximo nível, que é realmente mexer no modelo de negócio. As empresas com uma verdadeira orientação para a sustentabilidade terão melhor retorno no médio prazo.”
PERGUNTA – Como o senhor enxerga o atual cenário econômico global e qual o potencial do Brasil?
ANTÓNIO BERNARDO – O que temos visto é que a pandemia e as mudanças climáticas estão causando grandes mudanças nos modelos econômicos e sociais. Há uma nova vaga emergindo e o Brasil pode sair vencedor.
O Brasil deveria ser um dos primeiros a atingir a neutralidade de carbono. Isso seria uma meta fantástica. Quase todos os países, principalmente na Europa, estão colocando 2050 como prazo para a neutralidade. O Brasil deveria ser o primeiro, ou um dos primeiros países, a atingir esse objetivo.
AB – O Brasil tem sido criticado internacionalmente pela atuação do governo na questão ambiental. Ainda existe ceticismo dos investidores?
Existe. Os investidores ainda estão céticos sobre o posicionamento do Brasil face a essas questões de mudanças climáticas e transição energética. Claro que eles veem a diferença entre um grupo de empresas que já tem uma visão estratégica e que podem ter vantagens competitivas. Mas também veem um sistema político pouco proativo sobre esses aspectos.
Há um ceticismo pela questão da Amazônia e as notícias que saem sobre o desmatamento. Ao contrário de outros países, esse é o principal desafio do Brasil para a descarbonização.
Existe a necessidade de criar um consenso nacional sobre três ou quatro grandes questões, e essa certamente seria uma delas. Os investidores estão na expectativa de ter essa confirmação. Por um lado, eles consideram que o país tem potencial para ser líder nesse modelo de desenvolvimento, mas ainda não enxergam um consenso nacional sobre isso.
P. – Quais são essas grandes questões a que o senhor se refere?
AB – Uma questão muito importante é o crescimento econômico. O Brasil tem que crescer acima de 5% ao ano nos próximos 20 anos. Esse crescimento passa por um aumento drástico do PIB per capita, que está quase congelado há anos. A terceira meta é a redução da desigualdade. Se o Brasil não tiver uma classe média forte, será difícil ter um crescimento econômico sustentável.
Outra questão é o aumento da produtividade com investimento em inovação, e um quinto aspecto é a meta de neutralidade de carbono. O Brasil deveria se esforçar para ser o primeiro, ou um dos primeiros, a atingir a neutralidade. Há muito potencial para que isso aconteça.
P. -Como se chega lá?
AB – Com um papel diferente do Estado, sendo mais estratégico. Um Estado menor e melhor. Mas, sobretudo, um papel diferente das empresas.
P.- O senhor menciona um crescimento acima de 5% ao ano. No Brasil, é possível conciliar esse avanço ao respeito a questões climáticas?
AB – As mudanças climáticas e as oportunidades que vão existir na transição energética vão criar novos negócios, onde o Brasil pode ser um player global muito importante. Eu acredito que o país pode ser um dos mais competitivos em hidrogênio verde, como já é em renováveis. Em tudo o que é relacionado a indústrias sustentáveis, o Brasil pode ser líder.
P. – Qual seria o papel das empresas nesse novo modelo?
AB – O papel delas é fundamental, não só nos aspectos econômicos, mas também nos aspectos sociais e na influência para que o sistema político entenda quais são os programas de médio e longo prazo que criam riqueza no país.
As companhias podem ter uma contribuição muito grande nessa influência, assim como na abertura da economia e nas privatizações. Para isso, as federações e confederações devem se transformar. Elas precisam ser verdadeiros think tanks, independentes dos governos e com um papel de reforço da competitividade e da inovação.
As empresas têm tanta força na economia que, se estiverem juntas, podem influenciar e condicionar positivamente o sistema político.
P. – O senhor acredita que as empresas abririam mão de uma parte de seus lucros em prol de um desenvolvimento mais justo?
AB – Eu fiquei muito impressionado com um grupo relevante de empresários com o qual eu falei. Eles acham que esse modelo [de acumulação] está exaurido, que acabou. Se não reduzir a desigualdade, se não criar uma classe média mais forte e redistribuir a riqueza, o mercado não vai se desenvolver com o potencial que existe. Eu senti uma grande abertura, não só das empresas, mas até dos empresários em nível pessoal.
P. – Mas ainda estamos numa pandemia onde os bilionários ficaram mais bilionários e uma parte da população voltou a passar fome. Quando o empresariado fala isso, não gera um certo ceticismo?
AB – Acho que pode gerar, mas isso tem sido bem entendido. Eu estava falando com esses empresários e notei que eles tinham essa visão estratégica e vontade de mudar. Eles acham que o desenvolvimento do país, neste momento, não é tanto [pelo caminho de] acumular mais riqueza, mas de redistribuir melhor.
Eu vejo uma visão estratégica moderna, com empresários que não têm só o objetivo de enriquecer, mas de contribuir para a melhoria da sociedade. Seria uma pena se o Brasil não conseguisse congregar essas vontades para ter um impacto ainda maior no sistema econômico e social.
P. – Esse movimento das empresas está acontecendo na proporção e na velocidade adequadas?
AB – Não está. Há pequenos grupos pioneiros que estão falando, mas precisa haver uma dimensão maior. As federações e confederações podem ter um papel importante, mas é necessário que elas mudem a maneira de atuar e sejam independentes do governo.
Essas entidades deveriam criar com esses principais empresários um movimento, que não é um movimento político. Acho que o embrião está lançado, agora é preciso ganhar corpo. O Brasil, em 2030, pode ser um país vencedor.
P. – O senhor mencionou a questão da neutralidade de carbono, mas recentemente vimos um aumento expressivo nas taxas de desmatamento. Essa tendência precisaria ser contornada. Há perspectiva para isso?
AB – É indispensável. A pressão positiva desse movimento [empresarial] vai ter um papel muito importante. Mesmo no agronegócio, as empresas já começam a demonstrar que querem sustentabilidade, porque, se não for assim, os produtos [que elas vendem] deixarão de ser aceitos.
P. – Como o senhor vê essa onda ESG? Está só no discurso ou o compromisso é real?
AB – De um modo geral, ainda está em termos de comunicação, de relações públicas. Há um conjunto de empresas que já avançou, mas é a minoria. Ainda falta profundidade, ou seja, analisar claramente toda a cadeia de valor e entender o que precisa ser feito para melhorar em termos ambientais, sociais e de diversidade, entre outros.
Temos que ir para o próximo nível, que é realmente mexer no modelo de negócio. As empresas com uma verdadeira orientação para a sustentabilidade terão melhor retorno no médio prazo, os funcionários vão preferir trabalhar com elas e o próprio mercado de capitais vai dar mais apoio.
Isso é outra coisa importante, o papel dos bancos no ESG. Eles terão de analisar seus portfólios e ter coragem de não dar crédito ou aumentar as taxas para as empresas que não implementam essa agenda. Os bancos são grandes indutores da transformação das empresas.
P. – O Estado também não teria um papel de indutor dessas questões?
AB – Acho que sim, mas não precisa ser um Estado pesado. Esse Estado estratégico, como eu chamo, tem esse papel de regulador, incentivador e fiscalizador.
P. – Como o senhor avalia o setor privado brasileiro na comparação com a Europa, tendo em vista esse novo modelo econômico?
AB – A Europa definiu a sustentabilidade e a transição energética como o tema para liderar nos próximos 20 anos. Sob o ponto de vista de inovação, a União Europeia tem ficado um pouco atrás dos Estados Unidos e da China, mas agora decidiu que é o momento de liderar em alguma coisa.
Nos próximos três anos, só Portugal, Espanha e Itália vão investir algo como 400 bilhões de euros [R$ 2,5 trilhões] nesses programas de transformação econômica e social. Só esses três países.
O Brasil está numa fase inicial. Nós vemos algumas empresas mais avançadas e conscientes desses aspectos, mas há um grande gap [lacuna] em relação ao resto das companhias.
RAIO-X António Bernardo, 62
Presidente da consultoria internacional Roland Berger no Brasil e responsável pelos escritórios de Portugal, México e Angola. Nascido em Portugal, passou pela Comissão Europeia e foi diretor de finanças corporativas no Deutsche Bank – Investment Bank. É também membro da diretoria da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha.
Por Thiago Bethônico