Bolsonaro distribui títulos de terra sem registro em cartório a assentados no AC
A entrega contradiz a IN (Instrução Normativa) 99, de dezembro de 1999
Em viagem ao Acre que incluiu a inauguração de uma TV evangélica, o presidente Jair Bolsonaro (PL) protagonizou evento de distribuição de cerca de 500 títulos de regularização fundiária para assentados e moradores de glebas federais mesmo antes de serem registradas em cartório.
A entrega contradiz a IN (Instrução Normativa) 99, de dezembro de 1999. A regra prevê que, no caso de assentados, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) encaminhe ao cartório todos os títulos emitidos para fins de registro ou averbação na matrícula do imóvel.
A IN estabelece ainda que a via original do título só pode ser entregue ao assentado após registro em cartório. A suposta irregularidade foi revelada pelo site Notícias da Hora e confirmada pela Folha.
Apesar da falta de registro, Bolsonaro comparou o título à “alforria”: “Hoje, vocês conseguem o que seria uma carta de alforria. Conseguem a liberdade”, afirmou no evento que ocorreu em 18 de março.
Sem esse registro em cartório, o beneficiário não pode contrair empréstimos no banco, por exemplo, já que legalmente não é o proprietário da área cedida.
De acordo com a tabela fixada pelo TJ (Tribunal de Justiça) do Acre, o custo para registro varia de R$ 90,30 a R$ 6.709,40, a depender do valor do imóvel. Para ser assentado, é preciso comprovar baixa renda.
Historicamente, o Incra fornece os títulos definitivos, registrados em cartório, para populações de baixa renda ou vulneráveis, como é o caso de comunidades quilombolas.
No ato, o presidente entregou diversos títulos beneficiários, incluindo idosos e uma família com cadeirante.
Além do evento do Incra, Bolsonaro cortou a fita de inauguração da sede da rádio e TV Boas Novas, ligada ao deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), liderança da bancada evangélica. A cicerone do presidente foi a esposa do parlamentar, a missionária Antônia Lúcia, pré-candidata a deputada federal pelo PR do Acre.
Procurado, o Incra informou, por meio da assessoria de imprensa, que, apesar de a IN estar em vigor, “a diretoria responsável pelos assentamentos autorizou a entrega dos títulos, já que os documentos não foram assinados previamente pelas famílias para registro em cartório pela superintendência regional do instituto.”
O órgão fundiário afirma que os títulos têm plena validade jurídica e que os beneficiários foram orientados a registrar o título em cartório, levando os documentos entregues pelo Incra e os documentos pessoais.
“Não houve qualquer irregularidade na entrega dos títulos, que deverão ser registrados diretamente pelos interessados em cartório”, diz o Incra.
Por Fabiano Maisonnave