Assassinato de indígenas sobe 22% em uma década, enquanto homicídio cai 20% – Mais Brasília
FolhaPress

Assassinato de indígenas sobe 22% em uma década, enquanto homicídio cai 20%

Dados analisados foram divulgados pelo Atlas da Violência, nesta terça (31)

Indígenas no STF
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

A taxa de assassinatos de indígenas aumentou 22% entre 2009 e 2019, na contramão dos homicídios em geral no país, que caíram 20% no mesmo período, indicam dados analisados pela primeira vez pelo Atlas da Violência, lançado nesta terça (31/8).

Nesse grupo específico, os óbitos cresceram de 15 para 18,3 por 100 mil habitantes ao longo da década. Já o índice brasileiro encolheu de 27,2 para 21,7. Ambos os números tiveram uma redução em relação a 2017 e 2018.

O levantamento foi feito com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), ligado ao governo do Espírito Santo.

“Esses dados são a ponta do iceberg do que o território indígena enfrenta, estamos usando com cuidado. Eles são bons porque revelam a violência letal, mas também a necessidade de discussão sobre a qualidade desses dados”, diz o pesquisador Frederico Barbosa, do Ipea.

Considerando os números absolutos, foram registrados 136 assassinatos de indígenas em 2009, início da série histórica. O número então oscilou com tendência de alta nos anos seguintes, até atingir um pico de 247 em 2017, e depois recuou para 186 em 2019.

Os estados com os maiores índices são Rio Grande do Norte (68,8 mortes por 100 mil habitantes), Roraima (57), Mato Grosso do Sul (44,8) e Amapá (30,1). No caso dos três primeiros, o número inclusive ultrapassa as taxas de homicídios em geral desses locais.

Segundo Barbosa, “é muito provável” que uma parte significativa dessas mortes esteja ligada a conflitos territoriais, atividades agrícolas, extração de madeira e a à aproximação de outras atividades econômicas dos territórios indígenas, mas não é possível detalhar o que aconteceu em cada caso..

Os números são divulgados num momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) debate a demarcação de terras indígenas no país, julgamento que será retomado na próxima quarta (1º/9). A corte deve analisar a tese do marco temporal, tema que também está em discussão no Legislativo.

O agronegócio pressiona para que o tribunal determine que os povos só tenham direito sobre terras que já estavam ocupadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Para pressionar a Corte, cerca de 6.000 indígenas montaram um mega-acampamento em Brasília nesta semana.

O Atlas publicado nesta terça ressalta que “a violência física não dá conta de toda violência étnico-racial e simbólica sofrida por essa população desde o nascimento do Brasil” e cita “casos de abusos de poder, formas sistemáticas ou não de assédio, criminalização de lideranças e movimentos sociais indígenas, ameaças, violências sexuais etc.”

Neste mês, por exemplo, a Repórter Brasil revelou que militares teriam criado um “canto dos maus-tratos” para indígenas venezuelanos alcoolizados no abrigo Pintolândia da Operação Acolhida, em Boa Vista (RR). A Casa Civil diz que não tem conhecimento de nenhuma agressão dentro do alojamento.

Um dos casos relatados a integrantes do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União em inspeção surpresa feita no abrigo em 9 de agosto foi a agressão a uma mulher que ficou com braços, coxa e costas marcados por hematomas, segundo reportagem republicada pela Folha.

O Atlas lembra que os povos indígenas incluem 896,9 mil indivíduos e, em 2010, representavam 0,4% da população nacional. Naquele ano, 81% dos municípios brasileiros tinham pelo menos um indígena como morador

O estudo cita também outros relatórios sobre o tema. Um deles é o “Conflitos no Campo”, da Comissão Pastoral da Terra, que calculou uma média de cinco conflitos desse tipo por dia em 2019, o maior número em 10 anos, com um total de 32 assassinatos, sendo as principais vítimas indígenas, sem-terra, assentados e lideranças agrárias.

Já o “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), destaca o registro de 256 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” em pelo menos 151 terras indígenas, de 143 povos, em 23 estados -um aumento de 135% em relação a 2018.

Por Júlia Barbon