Artistas e intelectuais publicam manifesto em defesa da Serra do Curral (MG)
Documento também cita ações de tombamento
Um grupo de quase 700 artistas e intelectuais brasileiros publicou uma carta aberta em defesa da Serra do Curral, em Minas Gerais. O documento busca reverter o licenciamento ambiental de um projeto de mineração na serra, que foi concedido pelo governo estadual à empresa Taquaril Mineração no último sábado (30/4).
Entre os signatários do manifesto estão os cantores Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Outros intelectuais como a escritora Conceição Evaristo, o ambientalista Ailton Krenak, a filósofa Sueli Carneiro, o médico Drauzio Varela, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos e o cartunista Ziraldo também assinam o manifesto.
A carta é endereçada ao governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), à secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marília Melo, ao secretário de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, e ao presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Agostinho Patrus (PSD).
O manifesto argumenta que a serra é um importante patrimônio paisagístico e ambiental de Belo Horizonte e da região. Também fala das espécies animais e vegetais que vivem na área, dizendo que 40 delas estão ameaçadas de extinção.
“A Serra do Curral é um bem raro, que simboliza não só um lugar, mas a cultura que marca a memória de um povo como referência. E um povo sem referência, é um povo sem alma”, diz a carta dos artistas.
A carta foi publicada pelo Movimento Tira o Pé da Minha Serra. Nos últimos dias, o grupo tem organizado diversas manifestações nas ruas e nas redes sociais para trazer visibilidade para o caso. Na quinta (5), protestaram contra o projeto em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O documento também cita as ações de tombamento da serra. Ela já é protegida em âmbito municipal, em Belo Horizonte. Os picos da Serra do Curral também são protegidos em nível nacional pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Como o projeto da mineradora está localizado no território da cidade de Nova Lima (MG), seria necessária a proteção patrimonial estadual. O dossiê de tombamento já foi finalizado e aprovado pelo Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico), mas aguarda a votação por parte do Conselho Estadual de Patrimônio.
“Nós, artistas, intelectuais e escritores de diversas regiões do Brasil, enxergamos a Serra do Curral como um bem que extravasa as fronteiras de Minas Gerais -um patrimônio comum de todos os brasileiros”, diz o manifesto.
Diversos artistas mineiros também assinam o manifesto, como os cantores Samuel Rosa, Fernanda Takai e Rogério Flausino, o rapper Djonga, a jornalista Miriam Leitão e as atrizes Débora Falabella e Bárbara Colen.
Leia a carta na íntegra abaixo.
A pandemia atingiu e ainda atinge continentes, países, cidades e lares, homens, mulheres e crianças de maneiras distintas. Mas houve algo em comum entre nós: a incerteza e o desamparo. O mundo parou e sufocou em UTI´s lotadas e ficamos enclausurados cobertos por nossos medos, sofrimentos e angústias enquanto a natureza, aliviada, descansava.
Foram muitos os sinais. E mesmo assim continuamos a desmatar, maltratar, extrair, queimar, abusar, saquear, arrancar, torturar, massacrar e matar. Temos sido predadores da terra até virarmos reféns de nossa própria ganância e ignorância. É hora de mudar!
A Serra do Curral é o maior patrimônio paisagístico e ambiental de Belo Horizonte e região. Trata-se do elemento central do brasão da capital mineira, desde sua fundação. Da colina que se destaca na paisagem da região. Do ecossistema que, apesar de maltratado nas últimas décadas, concentra quase 40 espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção, abriga nascentes, plantas medicinais, espécies vegetais e animais das mais belas e diversas. A Serra do Curral é um bem raro, que simboliza não só um lugar, mas a cultura que marca a memória de um povo como referência. E um povo sem referência, é um povo sem alma.
Um megaprojeto de mineração – o Mineração Taquaril – está nos ameaçando. Serão mais de 30 milhões de toneladas de minério de ferro extraídas por meio de explosões com uma emissão de gás carbônico suficiente para interferir ainda mais no clima das cidades da Região Metropolitana.
O empreendimento vai aumentar os níveis de erosão e deslizamento de terra em uma região com alta inclinação, trazendo riscos para a população e os parques municipais do entorno. As estruturas construídas pelo projeto serão fatais para os córregos Cubano, Triângulo e da Fazenda, além de nascentes da região. A água que infiltra na Serra do Curral abastece o Rio das Velhas e o Rio Paraopeba e alterações nesse pedaço de aquífero afetarão a vida desses Rios e das comunidades que vivem em seu entorno – já tão prejudicadas pelo crime da Vale.
O projeto ameaça ainda mais de 50 cavidades espeleológicas, que abrigam espécies raras e possuem importantes funções para a dinâmica das águas na região.
O empreendimento não possui estudos de impacto cultural aprovados pelo IEPHA e pelo IPHAN. O Ministério Público de Minas Gerais já acionou a justiça contra o licenciamento sustentando diversas ilegalidades.
A prefeitura de Belo Horizonte também se posicionou contrária ao empreendimento, e avalia recorrer à justiça. A reunião do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) foi realizada de forma atropelada: mais de 280 pessoas se inscreveram para falar, mas a maior parte não foi ouvida. Causa espanto que o projeto tenha sido aprovado no COPAM às 3 horas da madrugada de um sábado. Queremos explicações.
A Serra do Curral, já tombada em âmbito municipal e federal, está com seu processo de proteção patrimonial estadual em fase final. O dossiê, feito com extremo rigor e qualidade, foi aprovado pelo IEPHA no início de 2021 e deveria ter sido encaminhado ao CONEP (Conselho Estadual de Patrimônio). Vossa Excelência Secretário de Cultura Leônidas Oliveira, porque o projeto ainda não foi votado?
Virando realidade, esse megaprojeto de mineração gerará lucros financeiros milionários às custas de grandes riscos e graves impactos para o patrimônio cultural, para a saúde, a qualidade de vida, o meio ambiente e a segurança hídrica de toda a população de Belo Horizonte e região.
Nós, artistas, intelectuais e escritores de diversas regiões do Brasil, enxergamos a Serra do Curral como um bem que extravasa as fronteiras de Minas Gerais – um patrimônio comum de todos os brasileiros. O Pico Belo Horizonte, tombado pelo IPHAN, também está ameaçado por esse projeto de mineração.
Certos de vossa sensibilidade e discernimento, viemos demandar ao Excelentíssimo Senhor Governador Romeu Zema e à Excelentíssima Senhora Secretária de Meio Ambiente Marília Melo que escutem a nossa voz e anulem a licença de operação da Tamisa, concedida com diversos indícios de irregularidades em uma reunião esvaziada de madrugada.
Reivindicamos também ao Excelentíssimo Governador e ao Excelentíssimo Secretário de Estado de Cultura, Leônidas Oliveira, que coloquem de imediato na ordem do dia a aprovação do tombamento estadual da Serra do Curral. Por fim, pedimos ao presidente da Assembleia de Minas, Agostinho Patrus, que coloque em pauta Proposta de Emenda à Constituição 67/21, que prevê o tombamento da Serra do Curral.
A cultura do país e o futuro das próximas gerações agradecem!