Após dez anos de espera, Copan vai ter sua fachada restaurada
Obras devem começar no segundo semestre de 2022, diz síndico
Após dez anos de negociações, o icônico Edifício Copan, localizado no centro de São Paulo, conseguiu finalmente a liberação para realizar a restauração de suas fachadas.
O projeto foi aprovado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) com apenas uma ressalva e deve ser entregue à administração do condomínio até o final deste ano.
O processo para conseguir essa liberação teve início em 2011. Na época, a administração do edifício entrou com um pedido de autorização para realizar a retirada de pastilhas que estavam se desprendendo da fachada e também para a colocação de redes de proteção para evitar possíveis acidentes. O pedido de autorização foi necessário porque o processo para tombamento do edifício já estava em sua fase final. Ele foi concluído em 2012.
O Conpresp e o DPH (Departamento de Patrimônio Histórico) autorizaram a retirada das pastilhas, recomendaram que essas fossem guardadas para um possível reaproveitamento e apontaram que, para fazer a obra de restauração, a administração deveria apresentar um projeto completo aos dois órgãos para aprovação.
Mas não foi isso que o condomínio entendeu. As redes foram instaladas, e estão lá até hoje, as pastilhas pendentes foram retiradas, e, depois de alguns estudos e testes de materiais, a obra foi iniciada. O problema é que, em 2015, ela foi embargada e o Conpresp exigiu que um projeto completo de restauro fosse apresentado para que só então fosse permitida a continuidade de qualquer ação.
Após muitas negociações, foi estabelecido, em 2019, um prazo para que esse projeto fosse apresentado. O Copan, então, realizou uma concorrência entre empresas especializadas em projetos de restauro e escolheu o Instituto Pedra.
“Fomos selecionados no final de 2019 e logo começamos a fazer todo o trabalho que envolvia pesquisa documental. Era um projeto que ia durar seis meses, mas, por causa da pandemia, fomos obrigados a fazer uma pausa. Agora, com a aprovação do que foi apresentado, estamos em fase final de elaboração dos desenhos, de quantitativos e orçamentos. O entregaremos à administração até o final do ano e assim o condomínio poderá orçar e realizar a obra”, explica Mariana Victor, arquiteta coordenadora da equipe do Instituto Pedra que elaborou o projeto.
Segundo a arquiteta, o material que será entregue aos administradores do edifício contém diagnósticos do estado de conservação de cada parte da fachada, mapeamento de danos, indicação de faseamento da obra e do procedimento ideal para a resolução de cada problema apontado.
O edifício, que nunca passou por obras de restauro na fachada, segundo o síndico Affonso Celso Prazeres de Oliveira, registra como principais problemas: queda de pastilhas, infiltrações, desprendimento de concreto, problemas nas escadas de emergência, exposição de estruturas metálicas e descaracterização de trechos das fachadas que foram sofrendo pequenas alterações em obras realizadas durante as últimas décadas.
Apenas uma questão apontada pelo Instituto Pedra no relatório não foi aprovada pela Comissão. “A fachada sul é toda composta por cobogós, que são aqueles elementos vazados. Um dos apartamentos tem um quarto que a janela é cobogó, e a gente propôs fazer uma alteração e colocar uma janela no local. Mas, o Conpresp entendeu que tirar esse elemento descaracterizaria a fachada. Foi só uma observação e não inviabiliza em nada o projeto. Vamos fazer o que eles pediram”, afirma a arquiteta.
Assim que o projeto for concluído, a administração do Copan é quem assumirá a responsabilidade pelos próximos passos. “A gente vai sair na praça para ver se arruma parcerias. Nós temos a possibilidade de colocar publicidade na fachada, como é permitido pelo artigo 50 da Lei Cidade Limpa. Assim vamos buscar empresas que queiram investir no restauro e liberaremos um pedaço da fachada para publicidade durante o período da obra”, diz Affonso, que é síndico do Copan desde 1993.
A norma sobre a qual ele se refere foi regulamentada em 2010 e permite que proprietários ou administradores de imóveis tombados ou em processo de tombamento possam pedir patrocínio a empresas para a sua reforma e em troca permitir que os patrocinadores exponham o logotipo da empresa por tempo determinado e segundo regras estabelecidas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.
Com essas etapas que ainda devem ser cumpridas, a obra de restauração do edifício, que é um ícone da cidade de São Paulo, deve ser iniciada apenas a partir do segundo semestre de 2022.
“Uma Cidade”
Projetado entre 1951 e 1952, o edifício Copan é uma das obras mais famosas do arquiteto Oscar Niemeyer e foi idealizado em um momento de expansão e valorização do centro da capital paulista. Para a empreitada, Niemeyer, que morava no Rio de Janeiro, abriu uma filial de seu escritório em São Paulo e convidou o também arquiteto Carlos Lemos para se juntar a ele.
A ideia inicial, encomendada pela Companhia Pan-Americana de Hotéis e Turismo, de onde vem o nome Copan, era de que fossem construídos um edifício residencial e, ao lado, um hotel. Ambos seriam ligados por uma marquise no térreo que abrigaria empreendimentos comerciais.
Mas no decorrer das obras os responsáveis pela execução enfrentaram problemas financeiros, elas acabaram sendo interrompidas diversas vezes e só foram retomadas definitivamente em 1957, quando o Banco Bradesco comprou os direitos da construção. Os blocos foram sendo entregues aos poucos e a construção foi finalizada em 1972.
Apesar de hoje ser um símbolo da linha de arquitetura de Niemeyer, o Copan foi renegado por seu criador por um bom tempo. Isso porque o projeto inicial sofreu algumas alterações e o carioca passou a agir como se ele jamais tivesse se envolvido com a construção do prédio.
“O Copan é uma cidade dentro da cidade de São Paulo” brinca Affonso Celso.
O edifício, que fica na Avenida Ipiranga com a Rua Araújo, tem 32 andares, com 1.160 apartamentos distribuídos por seis torres, que vão do A ao F. São, aproximadamente, 5 mil moradores, dos mais variados perfis, porque no Copan existem apartamentos para todos os gostos e bolsos, de quitinetes a unidades com três dormitórios.
Só na administração são 102 funcionários, mas ele conta ainda com 72 duas lojas, um cinema desocupado, um terraço que hoje está ocupado pelo grupo Hi-Happy, a Galeria Pivô no foyer e dois pisos no subsolo com 221 vagas para automóveis.
“O Copan está no grupo das chamadas megaestruturas, que são grandes edifícios que contém em si quase todas as funções urbanas: moradia, comércio, serviços e lazer. A multifuncionalidade permite que ele se atualize através das décadas”, afirma o Renato Cymbalista, professor de arquitetura e urbanismo da USP.
Segundo o também professor da FAU-USP, Nabil Bonduki, o Copan faz parte de uma importante geração de edifícios que foram construídos nos anos 50 e que têm características em comum. Eram os chamados edifícios mistos.
“Esses edifícios têm uso comercial e residencial. Geralmente, eles têm na base uma galeria com espaço de comércio e serviços e as torres são residenciais ou de escritórios. Muitas são as duas coisas. Essa geração tem uma fruição pública no térreo, ou seja, você tem uma permeabilidade do espaço público e do espaço viário dentro do edifício. Temos vários exemplares dessa geração em São Paulo além do Copan. Tem o Conjunto Nacional, a Galeria Metrópole e o condomínio edifício Nações Unidas, por exemplo”, explica Bonduki.
Mas, para o professor, há um aspecto em que o Copan se destaca dos demais: a plasticidade. “Ele é um edifício orgânico, cheio de curvas, e se destaca dentro da produção urbana de São Paulo e do Brasil”.
Nabil Bonduki acredita que essa plasticidade teria sido inspirada no Edifício Pedregulho, que fica no Rio de Janeiro e começou a ser construído em 1946, cinco anos antes do início do projeto do Copan. “O Niemeyer trabalhou com o Afonso Eduardo Reidy, o arquiteto que fez o Pedregulho. Acredito que Oscar bebeu na fonte dele, mas o Copan também serviu de inspiração, um exemplo disso é o Edifício Racy, que foi feito em 1955 e que também traz a sinuosidade da obra de Niemeyer”.
Segundo relatos de especialistas e dos próprios moradores, o edifício passou por momentos de decadência e degradação por volta dos anos 80 e 90, mas, a partir do momento em que a administração chegou às mãos de um antigo morador, o “seu Affonso”, como é chamado por todos, os bons tempos do edifício foram sendo retomados aos poucos.
A vida no Copan
O estilista Walério Araújo, de 51 anos, mora no Copan há 27 anos. Ele chegou ao condomínio exatamente nesse período de transição.
“Quando me mudei para lá, tinha uns moradores bem trash. As pessoas faziam de tudo, até jogavam lixo pela janela. Aí, seu Affonso colocou câmeras em volta e mandava multa para as pessoas. Eu via tudo porque morava no quarto andar. Aos poucos, ele revitalizou o Copan”, conta o estilista.
Walério conta que foi se apaixonando pelo edifício. “Eu morei no bloco B de fundos, depois morei três anos de frente. Aí eu fui para o bloco A, porque eu precisava de espaço, de um lugar para atender minhas clientes e lá no A são dois apartamentos por andar. Há três meses eu mudei novamente. Agora estou no bloco E e estou amando essa nova vista”, e completa “do Copan, se Deus quiser, eu não quero sair nunca”.
O caso de Araújo não é o único, na verdade, parece algo comum entre os moradores do Copan. O diretor de carnaval, Judson Sales, de 38 anos, é outro que já morou em diferentes apartamentos do edifício.
“Eu morei tanto na maior unidade, quanto na menor. Comecei morando em um de 28 m², que são aqueles de fundo no bloco B e hoje eu moro numa dessas de 180 m², que são do bloco D”, diz Sales.
Ele aponta que algumas questões específicas do Copan o encantam, como a vista, a organização do prédio, mas, principalmente, o que ele chamou de “arquitetura humana”. Para explicar, ele dá um exemplo que mostra o quão democrático é o edifício criado por Niemeyer.
“Na época em que eu me mudei para o Copan, há 12 anos, eu comecei morando nesses apartamentos de 28m² e no meu corredor morava um sujeito com a família, que totalizavam seis pessoas, em um apartamento igual ao meu. E ele vendia CD pirata ali na Avenida Paulista, bem na frente da Livraria Cultura. O detalhe é que a livraria é do Pedro Herz, que também mora aqui, só que num apartamento de 280m².
E eu achava muito interessante que, no mesmo prédio, pudessem habitar as duas pessoas e que talvez elas se encontrem no Café Floresta em algum momento e tomem um café juntas, sabe?”, conta Sales.
Tanto Judson quanto Walério destacam como positivo o fluxo de pessoas que circulam no edifício e na sua área comercial. Os dois apontam que o Copan se tornou um ponto de referência da cidade e que o complexo, que conta com lojas, restaurantes, livraria e outros tipos de comércio, dão vida ao local.
E essa vida aos pés do Copan também arranca elogios de outro morador, o Eduardo Ferroni, de 44 anos, arquiteto e professor que mora no edifício há 20 anos.
“O que eu mais gosto na arquitetura desse prédio é o chão dele, é o térreo. É a forma como ele chega no chão porque é uma continuidade das ruas e das calçadas que estão em volta dele. Não tem um muro separando a área privativa da área pública. Ele tem aquilo que a gente chama de vida urbana, né? O café da esquina, o cabeleireiro, tudo isso está dentro do prédio, mas também é muito aberto para a cidade, então é bastante interessante de vivenciar”, afirma Ferroni.
Semelhante a uma cidade do interior, como afirma Judson Sales, há uma troca entre os vizinhos mais ativos no condomínio. Ferroni, por exemplo, auxiliou na escolha do instituto que está fazendo o projeto de restauração da fachada.
“Eu trabalho com isso, projeto de edifícios públicos, restauro, então eu ajudei o pessoal daqui do condomínio a montar uns critérios e parâmetros para uma concorrência e contratação de um escritório especializado em projeto de restauro”, diz o arquiteto.
Assim, o Copan completa, em 2022, 70 anos do início de sua construção com a tão aguardada restauração próxima de começar e com moradores que parecem dispostos a fazer com que o edifício siga sendo símbolo de São Paulo por mais muitos anos.
Copan em números
Tamanho: 120 mil m² de área construída
Altura: 115 m
Apartamentos: 1.160, sendo 688 quitinetes; 280 aptos. de 1 dormitório; 64 de 2 dormitórios e 128 de três dormitórios
Blocos: 6 (do A ao F)
Lojas: 72 + cinema desativado, Galeria Pivô e o terraço do grupo Hi-Happy
Elevadores: 22
Moradores: aproximadamente 5 mil
Funcionários: 102
Vagas na garagem: 221
Curiosidade: o edifício possui CEP próprio
Por Mariane Ribeiro