Alunos negros e pobres são os mais afetados com escolas que ainda não reabriram
Pesquisa do Datafolha mostra que retorno das aulas presenciais tem sido desigual no país
A reabertura das escolas em ritmo desigual no país tem deixado estudantes negros e pobres mais tempo fora das salas de aula, mostra uma nova pesquisa do Datafolha.
Em setembro, 65% dos alunos do país tiveram suas escolas reabertas, ainda que parcialmente. Entre os estudantes brancos, o índice chegou a 72%, mas ficou em 61% para os negros.
Entre as três faixas de maior nível socioeconômico, a retomada das aulas presenciais alcançou 73% dos alunos. Mas era de apenas 41% para aqueles que estão nas três menores faixas de renda.
A diferença expõe mais uma face da desigualdade educacional do país, que prejudica alunos negros e pobres.
A pesquisa foi feita pelo Datafolha a pedido do Itaú Social, da Fundação Lemann e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). As entrevistas foram feitas entre os dias 13 de agosto e 16 de setembro, com 1.301 responsáveis por 1.846 estudantes, com idades entre 6 e 18 anos, da rede pública de todas as regiões do país.
Sem uma coordenação nacional, o retorno das aulas presenciais tem ocorrido de forma desigual desde o início do ano. Enquanto na região Sul, 90% dos estudantes já puderam voltar a frequentar a escola, no Nordeste só 40% tiveram essa opção.
“É muito preocupante essa disparidade no retorno. A desigualdade ocorre não apenas regionalmente, mas também socialmente. Os alunos que tiveram menos condições de acessar o ensino remoto são aqueles que estão com as escolas fechadas por mais tempo”, diz Daniel de Bonis, diretor de políticas educacionais da Fundação Lemann.
A pesquisa mostra que a maior demora na reabertura das escolas tem ocorrido em municípios menores. Nas cidades com mais de 500.000 habitantes, 72% dos alunos já tiveram o retorno das aulas presenciais. Naquelas com menos de 50.000 habitantes, só 55% estão com as unidades abertas.
Para Bonis, a demora nas cidades menores expõe o problema da falta de coordenação e cooperação do governo federal para ajudar no retorno das aulas presenciais. Desde o início da pandemia, o Ministério da Educação tem sido criticado pela ausência de ações para apoiar estados e municípios.
A única ação efetiva do ministério foi o incremento de cerca de R$ 600 milhões no PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola). Ainda assim, os gastos totais com o programa foram os menores desde 2015, com exceção apenas a 2019, primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido).
“Temos problemas de coordenação no país e isso se reflete no ritmo de reabertura das escolas. É incompreensível essa demora já que as redes tiveram muito tempo para organizar a volta dos alunos”, diz Bonis.
Os dados mostram ainda que a maioria das famílias aderiu ao retorno presencial. Dos estudantes que tiveram a escola reaberta, 72% voltaram a frequentá-la. O dado é semelhante em todas as regiões do país, ficando dentro da margem de erro, que é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos.
“A pesquisa mostra que as famílias estão mais engajadas no retorno às aulas do que os gestores públicos. A sociedade está mais preocupada com o aprendizado do que aqueles que são responsáveis por essa decisão”, afirma Bonis.
Deusdete da Silva, 18, está no 3º ano do ensino médio e desde março do ano passado não entra em uma sala de aula. Ele estuda em uma escola estadual em São Gonçalo do Sapucaí, no interior de Minas Gerais, onde as atividades presenciais só foram liberadas nesta semana.
“Vou voltar para escola na semana que vem e estou muito feliz, muito animado. Aprendi muito pouco nesses meses. Pelo menos, vou ter algumas semanas de aula antes de terminar o ensino médio”, conta.
Ele acompanhou as atividades remotas, mas teve dificuldade para manter o ritmo de estudos já que precisou trabalhar durante a pandemia. Ele também teve problemas com a falta de acesso à internet e dificuldades para fazer as tarefas com seu celular antigo.
“O ensino remoto tapou um buraco, foi importante pra eu não me desligar completamente da escola. Mas acho que só vou aprender um tantinho agora que vou voltar para o presencial, é uma pena que seja a quase dois meses para terminar o ano”.
Dos responsáveis entrevistados na pesquisa, 87% disseram que as crianças e adolescentes voltaram mais animadas para a escola e 85% afirmaram senti-los mais interessados pelos estudos. Apesar da maior motivação, 39% também disseram que os alunos estão se sentindo despreparados no que se refere ao aprendizado.
Para a maioria dos responsáveis (73%), a recuperação da aprendizagem foi o principal motivo para o retorno das crianças à escola. Para 22% a maior motivação foi a convivência e interação com professores e colegas.
Ainda que tenham aumentado o número de escolas públicas reabertas no país, a maioria delas continua sem receber os alunos todos os dias. Segundo a pesquisa, 79% dos estudantes estão em unidades que seguem com o esquema de rodízio.
Dos 28% de estudantes que optaram por não retornar às atividades presenciais, a maioria (38%) respondeu que decidiu não voltar por fazer parte ou ter alguém na família no grupo de risco para a Covid.
É o caso de Ana Heloísa Silva, 15. Ela estuda na escola municipal Altino Arantes, na região do Jardim Ângela, zona leste de São Paulo, onde as aulas presenciais voltaram no início de 2021. Ainda assim, ela não foi para a escola nenhum dia.
“Moro com a minha avó que é diabética e meu irmão tem asma. Tenho muito medo de ir para a escola e trazer Covid para eles. Quero muito voltar para a escola, mas não posso correr o risco de infectar minha família”, conta. Ela e a família decidiram que ela só voltará para a escola 15 dias após tomar a segunda dose da vacina.
Por Isabela Palhares