Alunos cheiram pó de corretivo em escolas e põem saúde em risco
No Paraná, ao menos oito escolas estaduais relataram casos
O corretivo, também chamado de branquinho, utilizado para apagar erros em textos escritos à caneta, tem sido motivo de preocupação em escolas depois de estudantes serem flagrados cheirando um pó obtido após o produto secar. O ato pode causar problemas graves de saúde.
No Paraná, ao menos oito escolas estaduais relatam casos de alunos inalando pó de corretivo seco para imitar cocaína. O número foi confirmado pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte.
Também há relatos de que isso estaria ocorrendo em colégios particulares. Segundo uma estudante da oitava série de uma escola da rede privada de Curitiba, há alunos que ainda acrescentam acetona ao pó.
Vídeos em que adolescentes ensinam o passo a passo de como transformar a substância em pequenas partículas estão viralizando na internet, principalmente no TikTok.
As imagens publicadas, muitas delas em tom de desafio, mostram os jovens pincelando o líquido branco em carteiras escolares, aguardando a secagem e raspando o local até que o produto se torne pó.
Assim que a substância se desfaz de sua forma original, os jovens separam as partículas e passam a cheirar, utilizando canudos ou encostando a narina na mesa. Na maioria dos casos, os adolescentes não chegam a inalar o produto químico.
Uma aluna de um colégio estadual de São José dos Pinhais, no Paraná, afirmou que estudantes passam o corretivo líquido na carteira, esperam secar, raspam o produto com uma régua e colocam o pó em pacotes, que são distribuídos.
A prática virou “modinha” entre alunos do ensino fundamental 2 e médio, ilustrando fotos e vídeos nas redes sociais. Giz e borracha também são usados para preparar o pó, que chega a ser fumado e vendido em sala de aula.
Professores ouvidos pela reportagem dizem ter reparado no tal pó, mas que não perceberam do que se tratava.
Como punição, é possível a escola aplicar advertências aos alunos e alertar os pais. Em casos mais graves, pode resultar em expulsão. A preferência, no entanto, é para ações de conscientização, segundo Roni Miranda, diretor de educação da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte.
“Orientamos que, em fatos isolados, a escola recolha os materiais, como corretivo, tesoura, régua, borracha. A professora os tem para empréstimo aos alunos, mas eles ficam proibidos em sala”, diz Miranda.
Ainda segundo o diretor, a secretaria faz campanhas de conscientização para alunos e professores e conversam com as famílias, que são corresponsáveis. “Quando o caso afeta outro colega, traz efeitos para sua saúde física ou psicológica, chamamos a Rede de Proteção, como Conselho Tutelar.”
Apesar de não haver prescrição legal para punição criminal, o uso de corretivo líquido inalado pode resultar em processos civis para os pais dos alunos envolvidos, segundo a advogada Glenda Gondim, doutora em direito e docente em direito privado.
“A instituição de ensino é responsável pela integridade física dos alunos e deve protegê-los de outros e deles mesmos, por isso, deve intervir. Conscientizar, prevenir e até enfrentar o uso. A responsabilidade, inclusive, estende-se para fora dos muros da escola, até mesmo na internet”, diz Gondim.
A advogada lembra que o adolescente envolvido pode ser punido por divulgar imagens sem autorização. Quem vai pagar por isso, no entanto, são os pais. “Eles podem ser obrigados a pagar indenizações por danos morais e patrimoniais por esta divulgação e ainda responder, e pagar, pelos tratamentos de saúde causados pelo filho a outros colegas”, conclui.
À Folha, o toxicologista Julio de Carvalho Ponce explicou que o corretivo tem composição básica formada por água, pigmentos, geralmente óxido de titânio, resina e solvente, sendo que, atualmente, a maioria dos produtos contém etanol.
O especialista listou diversos riscos para a saúde ao se cheirar a substância, entre os quais problemas respiratórios. “A aplicação da camada fina, com secagem e pulverização, para inalação, pode causar problemas pulmonares graves, de obstrução das vias aéreas superiores, irritação da mucosa nasal e agravamento de quadros crônicos, como rinite.”
Ponce também destacou que o dióxido de titânio é classificado pelo IARC, sigla para Agência Internacional de Pesquisas em Câncer, como possível carcinogênico, ou seja, agente químico que pode causar câncer.
“É importante frisar que o corretivo, se usado da maneira para o qual foi criado, não oferece riscos inerentes”, afirmou Ponce.
Em São Paulo, a Escola Estadual Guilherme Giorgi, na zona leste da capital, publicou um comunicado em sua página numa rede social, em 1º de abril, no qual pediu aos pais e responsáveis que ficassem atentos aos celulares e conteúdos que os filhos têm acesso na internet.
A Secretaria da Educação de São Paulo negou que a prática tenha ocorrido na escola citada. “Não foi identificado nenhum aluno realizando esse tipo de ação descrita pela reportagem. A escola ficou sabendo do comportamento disseminado nas redes sociais através dos próprios estudantes que acharam prudente comunicar a direção.”
Na mesma nota, a secretaria disse que “lamenta a disseminação do comportamento citado pela reportagem e repudia qualquer uso de entorpecentes e substâncias tóxicas dentro ou fora da escola.”
Por Paulo Eduardo Dias e Mauren Luc