Advogados apontam brechas em decisão do STJ sobre cobertura de planos de saúde
Os juristas dizem que a tese do tribunal não tem efeito vinculante, ou seja, não há obrigatoriedade de ser seguida pelos demais órgãos do Judiciário
Advogados especialistas em defesa à saúde se dizem surpresos com a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que desobriga os planos de saúde de cobrir procedimentos fora da lista da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas ressaltam que há brechas.
Os juristas dizem que a tese do tribunal não tem efeito vinculante, ou seja, não há obrigatoriedade de ser seguida pelos demais órgãos do Judiciário. Sendo assim, caberia ao juiz responsável por cada caso acatar ou não a nova jurisprudência do STJ.
Apesar disso, “há uma certa tendência dos juízes de primeira e segunda instância seguirem o entendimento majoritário do STJ para que evitem o risco de ter as suas decisões cassadas”, diz Tiago Matos, assessor jurídico da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
Ainda há exceções na tese do tribunal –como a inclusão extraordinária de tratamentos com prescrição médica e reconhecimento nacional e internacional– que podem ser exploradas nas petições, segundo os advogados.
Por 6 votos a 3, o STJ decidiu na última quarta-feira (8) que o rol de procedimentos listados pela ANS deve ser taxativo, restringindo sua margem interpretativa. Anteriormente, o documento era visto como exemplificativo, aceitando o acréscimo de tratamentos para atender às necessidades dos pacientes.
Segundo Fernanda Glezer, sócia responsável pela área de direito à saúde no escritório Rosenbaum Advogados, o entendimento dos ministros é um retrocesso, porém ainda há espaço para que os contratantes consigam incluir suas terapias no rol.
“É um brusco retrocesso, mas a porta não está totalmente fechada. Vai ser mais trabalhoso e provas mais robustas sobre a validade do tratamento serão necessárias. De todo modo, é tudo muito novo, o que causa muita preocupação entre meus clientes”, diz.
Glezer acrescenta que os ministros do STJ não quiseram dar um parecer engessado, incluindo exceções que podem ser exploradas pelas defesas.
Foi definido pela corte que, não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol, pode haver, de forma excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico. Para isso, é preciso que haja comprovação da eficácia do tratamento baseada em evidências, além de recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e estrangeiro.
Para o advogado Nelson Nogueira, do escritório N. Nogueira, há medidas legalmente cabíveis contra a decisão. Uma delas seria entrar com Recurso Extraordinário no STF (Supremo Tribunal Federal). A decisão do STJ seria, segundo ele, uma afronta ao direito constitucional à saúde.
“Associações como o Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor, dentre outras, poderiam recorrer ao Supremo. Mas é um processo demorado e, durante a espera, fica uma incógnita sobre como os casos serão julgados.”
Nogueira diz que o parecer do STJ o surpreendeu. “Os bastidores indicavam que os ministros manteriam a jurisprudência anterior.” Mas ele ressalta a imprevisibilidade da corte. “Sempre foi aleatório para os meus clientes. Casos idênticos eram acatados pela segunda turma [do STJ] e negados pela terceira.”
O advogado ainda diz ser cedo para concluir como agir juridicamente. “Vai ser caso a caso, até para pedidos de liminar. Não dá para prever nada. Temos que observar e pensar uma estratégia de defesa. Vamos contar com a leitura e sensibilidade dos juízes”.
A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) vê a decisão como justa. Segundo Cassio Ide Alves, superintendente médico da associação, a nova jurisprudência dá certeza de que tudo a ser incorporado na lista da ANS terá base científica, não deixando brechas para a inclusão de tratamentos ainda sem consenso entre os especialistas.
Alves acrescenta que toda a preocupação em torno do tema é fruto de desinformação. “Não há motivo para preocupações. O medo é real, as pessoas têm medo, mas é pura falta de informação. A incorporação de novos medicamentos é feita de forma contínua. Tendo provas da eficácia, basta provocar a ANS”.
A lei 14.307/22 obriga a agência a deliberar em até 120 dias sobre a inclusão no rol de tratamentos oncológicos e até 180 dias para outros tratamentos, não podendo recusar sem justificativa razoável.
Segundo a advogada Fernanda Glezer, a expressão ‘justificativa razoável’ é subjetiva, deixando livre o caminho para que a ANS negue pedidos.
Por Bruno Lucca