A floresta é a infraestrutura da Amazônia, propõem ONGs em carta a presidenciáveis
A proposta do grupo é que o planejamento da infraestrutura inclua a consulta à população desde o princípio do processo
“Precisamos de projetos para a Amazônia e não apenas na Amazônia”, afirma uma carta lançada nesta quarta-feira (6/7) em Alter do Chão (PA) com destino aos candidatos à Presidência.
A proposta foi formulada após três dias de reuniões com 60 participantes do GT Infraestrutura, grupo formado por ONGs ambientalistas, movimentos sociais e organizações indígenas.
Na próxima terça-feira (12), representantes do grupo devem levar a carta ao ex-presidente Lula (PT), em reunião do candidato com movimentos em Brasília.
O documento reivindica uma “moratória para novos grandes empreendimentos energéticos na Amazônia enquanto não houver a revisão do Plano Nacional de Energia à luz dos compromissos climáticos do país”.
A proposta do grupo é que o planejamento da infraestrutura inclua a consulta à população desde o princípio do processo –quando se definem os planos nacionais setoriais, como os de energia e de logística–, e não somente nas fases de licenciamento das obras, quando a opção do governo pela execução de um projeto já foi feita.
“Discutir um modelo novo de logística para a Amazônia, repensando prioridades e institucionalizando o processo decisório, resultando em boas práticas de planejamento, incluindo a avaliação de alternativas, ampla participação da sociedade em todas as etapas e o atendimento às demandas de promoção dos produtos da sociobiodiversidade”, propõe a carta.
“A proposta da Ferrogrão, por exemplo, a questão não é se o projeto é bom ou ruim, se pode melhorar, mas é anterior: por que o caminho é esse? Por que essa soja não pode sair por outro porto, como o de Santos?”, questiona Sérgio Guimarães, secretário-executivo do GT Infraestrutura.
Uma medida que pode reduzir o impacto de grandes obras é a antecipação da análise socioambiental, afirmam as entidades. Essa etapa poderia ser feita junto às análises de viabilidade técnica e econômica, segundo um estudo do Climate Policy Initiative (CPI) apresentado ao GT Infraestrutura.
“Quando você chega no licenciamento ambiental, o projeto já está com uma maturidade, o que torna muito mais difícil mudar seu desenho”, afirma a pesquisadora Joana Chiavari, diretora do CPI e uma das responsáveis pela análise.
“A principal infraestrutura da Amazônia é a floresta em pé”, afirma Maura Arapiun, secretária do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns.
A defesa faz referência às condições de vida na região permitidas pelos serviços ecossistêmicos da floresta –como o fornecimento de água, chuvas, ar limpo, solo fértil, produção de alimentos, regulação do clima e a manutenção da biodiversidade. “Quem nos permite viver aqui é a floresta”, diz Guimarães.
O grupo recusa o modelo de grandes obras de infraestrutura previstas para a região amazônica, como ferrovias, rodovias e portos, voltados ao escoamento de produtos do agronegócio, e também a construção de usinas hidrelétricas, que atendem a demanda por energia da indústria e do restante do país, mas ainda deixa boa parte das comunidades da região desatendidas.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, 70% da população sem acesso às distribuidoras de energia elétrica estão na Amazônia.
Por outro lado, o grupo de ONGs defende o investimento para infraestrutura em áreas que beneficiam a população amazônica, como saneamento básico nas cidades.
“Considerar o desenvolvimento urbano como processo fundamental para a sustentabilidade e bem-estar humano na Amazônia, com infraestruturas adequadas ao contexto local”, propõe a carta.
O grupo também produziu um estudo sobre investimentos nas cidades amazônicas no contexto de adaptação às mudanças climáticas.
A carta ainda se baseia em livro lançado durante o encontro por Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia Ambiente da USP.
A obra “Infraestrutura para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” propõe quatro dimensões para repensar o conceito na região: natureza, cuidado, serviços e organização coletiva. O texto faz propostas para a adaptação climática, o fim da dependência do diesel nas comunidades florestais, o acesso à internet e estratégias para o beneficiamento de produtos da bioeconomia.
“Infraestrutura não pode ser sinônimo de estradas, portos para o trânsito de commodities, minérios e produção de energia, como tem sido até aqui. É necessária uma infraestrutura para a vida das pessoas e suas atividades econômicas”, afirma Abramovay.
Por Ana Carolina Amaral