Esfirras, sandálias e sangue são rastros de 8 mortes em operação no Rio
A Delegacia de Homicídios ainda apura as circunstâncias das mortes
Por volta de meio-dia desde sexta (11), a cena seguia sendo de horror numa ladeira da favela Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Horas antes, a comunidade havia sido cenário de uma operação policial que terminou com oito mortos.
A perícia deixava o local e o último corpo ainda era retirado por funcionários da Defesa Civil, observado por cerca de 20 moradores, a maioria deles crianças. Uma delas diz para pegarem uma bolsa, e desapareceram com o item ensanguentado antes ao lado do cadáver.
Por trás do saco preto, ainda era possível ver o short da Nike e o torso nu, com uma tatuagem. A bota marrom que o homem usava, semelhante à de policiais, também ficou ali ao lado. Até a publicação deste texto, não havia sido divulgada a identidade de nenhum dos mortos.
O local onde os oito tombaram, segundo a polícia após atirarem contra os agentes, fica no final de uma rua asfaltada que tem início num enorme supermercado Guanabara, principal rede das zonas norte e oeste cariocas. A caminhada então inclui cerca de 200 metros de uma subida leve.
Duas barricadas estão no caminho, uma fincada com trilho e concreto, a outra montada com espetos de ferro, ambas agora retiradas pelas equipes que entraram por volta das 4h30 em dois blindados do Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal).
Cerca de dez metros após a segunda barreira, aparece o primeiro rastro de sangue, do homem do coturno. Nas paredes das casas, “Jesus é amor” está pintado em colorido de um lado da rua, e “bala na PM” e “vai morre UPP [sic]” está pichado em preto do outro. “Covardia”, dizem os moradores de tempos em tempos.
Um pouco à frente, uma caixa inteira de esfirras do Habib’s segue derrubada no chão, algumas delas já mordidas, ao lado de uma moto também tombada e uma segunda poça de sangue que escorre a ladeira. Todos eles caíram próximos, mas separados por alguns metros.
A reportagem contou cerca de cinco pontos com rastros dos corpos à medida que se sobe a rua, quase todos com as sandálias Havaianas deixadas para trás. Um tem restos humanos e outro, uma guia religiosa de miçangas pretas e vermelhas. Mas essa proteção aí falhou, apontou um policial.
A operação da PM e da PRF visava prender Adriano de Souza Freitas, conhecido como Chico Bento e apontado como chefe do tráfico no Jacarezinho. Segundo a versão da polícia, porém, os homens que morreram fizeram a “contenção” da casa onde ele estava e ele acabou fugindo.
Como o Jacarezinho foi ocupado pela polícia há três semanas para implantar o Cidade Integrada, programa do governador Cláudio Castro (PL), os criminosos teriam saído da favela para se esconder na Vila Cruzeiro, também dominada pela facção Comando Vermelho.
Moradores relataram blindados e helicópteros circulando pelas ruas desde cedo, muitos barulhos de tiros e momentos de medo. Ao menos 17 escolas municipais na região, que haviam iniciado as aulas nesta semana, não abriram, e três clínicas da família suspenderam as atividades externas.
Segundo as corporações, foram apreendidos sete fuzis, quatro pistolas, 14 granadas, carga e veículos roubados, cocaína e maconha. Uma pessoa que não teve o nome divulgado foi presa. A Delegacia de Homicídios ainda apura a circunstância das mortes.
Por Júlia Barbon e Tércio Teixeira